Título: Mundo não dá atenção ao Haiti, diz estudiosa
Autor: Adriana Marcolini
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2005, Internacional, p. A19

A liderança do Brasil na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti trouxe um grande desafio para o País: a construção e a manutenção da paz em uma nação caribenha marcada por uma persistente situação de crise. Para Béatrice Pouligny , autora do livro Ils nous avaient promis la paix (Eles nos prometeram a paz), lançado na França recentement e, o Haiti não recebe a devida atenção da comunidade internacional. A pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas Internacionais (Ceri, pelas iniciais em francês) e professora de Relações Internacionais no Instituto de Pesquisas Políticas de Paris acredita que é pouco provável que o fundo de assistência ao Haiti chegue aos US$1,2 bilhão prometidos. Qual é a situação enfrentada pelos soldados brasileiros no Haiti?

É importante salientar a degradação da situação no Haiti. Na primeira grande intervenção da ONU naquele país, em 1990, havia um quadro de pobreza e violência ligado a um processo de democratização. Hoje o que vemos é um quadro de pré-guerra.

Em janeiro, em reunião do Conselho de Segurança (CS) da ONU, em Nova York, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, exortou a comunidade internacional a cumprir com a promessa de doar US$ 1,2 bilhão para o Fundo de Assistência ao Haiti. A senhora acredita que o pedido será atendido?

Não acho que os países cumprirão com a promessa. Se analisarmos qualquer crise, incluindo aquelas consideradas prioritárias, como o Afeganistão, há uma grande diferença entre o dinheiro prometido e aquele que de fato é desembolsado. A crise do Haiti é secundária, o país não é estratégico e não oferece risco para a região. Também não há risco de fluxos de refu giados para os EUA, uma vez que por muito tempo as autoridades norte-americanas detiveram os barcos dos haitianos que tentaram fugir para os EUA, enviando-os de volta.

A liderança do Brasil na missão da ONU no Haiti pode ajudar o País a obter um assento como membro permanente do CS?

Pode ajudar. O Brasil está desempenhando um papel relevante em um assunto que o secretário-geral considera importante para a ONU. Mas devemos lembrar que, historicamente, os membros permanentes do CS não estão autorizados a participar de operações de paz, porque há o receio de que eles poderiam não atuar com imparcialidade.

O número de membros permanentes do CS deveria ser ampliado?

Acho que a reforma do CS encontra-se paralisada. Não acredito que os chefes de governo cheguem a um acordo ainda em 2005. Há boas razões para que o Brasil seja admitido como membro permanente, mas provavelmente seria mais fácil em um sistema em que fosse aceito ao lado de outros países. Na minha opinião, a única forma de avançarmos seria por meio de representações regionais. Os europeus estão dando o exemplo. Devemos ter uma Constituição européia com um presidente e um ministro das Relações Exteriores europeus. Só poderemos avançar na reforma do CS se os britânicos e os franceses aceitarem que a Europa tem um assento permanente enquanto região.

Depois do ataque à sede da ONU em Bagdá, em 2003, hoje a organização conta com apenas cerca de 380 funcionários na região, baseados no Kuwait e na Jordânia, na maioria. A ONU deveria aumentar sua presença no Iraque?

Trata-se de uma questão delicada. Por um lado, um maior envolvimento da ONU pode ser uma maneira de conferir legitimidade à ocupação dos EUA. Por outro lado, a presença da ONU seria a única forma de evitar uma catástrofe ainda maior para o povo iraquiano. Em algum momento, os EUA irão embora e a sucessão teria de ser com a ONU. Este é o único caminho. Mas uma missão da ONU precisaria ser preparada e negociada. É preciso lembrar que a maioria dos iraquianos considera que a organização é controlada pelos EUA. Não será nada fácil.

Por que a ONU demorou a dar atenção à crise no Sudão, onde 180.000 pessoas morreram e 2 milhões foram obrigados a deixar suas casas desde fevereiro de 2003?

De modo geral, os interesses dos membros permanentes do CS são mais determinantes para classificar uma crise como internacional do que a natureza da crise em si . No entanto, penso que não podemos esquecer as ações dos governos locais. No Sudão, o governo joga com diferentes estratégias para que a ONU desempenhe um papel na crise. No ano passado, os EUA se es forçaram para convencer os outros membros permanentes a agir de forma mais enérgica no caso sudanês.

Por quê?

Em grande parte, este esforço aconteceu em virtude de os EUA terem incluído o Sudão na lista negra dos países que apóiam o terrorismo. Além disso, o presidente George W. Bush, então candidato a reeleição, começou a falar de genocídio no Sudão para obter votos da comunidade negra norte-americana. Bush propôs um tri bunal especial para o Sudão, mas foi criticado pelos demais Membros Permanentes, que lembraram que o Tribunal Penal Internacional (TPI) existe para isto (os EUA não assinaram a convenção que estabeleceu o TPI). Em março, o CS votou para que os acusados de crimes de guerra na região de Darfur (fronteira sudanesa com o Chade) fossem indiciados pelo TPI. A China e a Rússia têm relutado a impor sanções contra o Sudão. Além disso, ameaçam vetar resoluções, uma vez que ambos têm grandes investimentos no Sudão, sobretudo na área de petróleo.