Título: Os dinossauros estão vivos e por perto
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2005, Vida &, p. A20

A partir do dia 30, quem entrar no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo vai dar de cara com uma realidade que parece saída dos roteiros de cinema: os dinossauros não estão mortos. Ao menos, boa quantidade deles. Cerca de 10 mil espécies ainda habitam a Terra, e não é preciso ir a nenhuma ilha perdida de Hollywood para descobri-los. Eles estão por toda parte, voando de galho em galho, e podem ser comprados em qualquer pet shop. São as aves - não apenas parentes dos dinossauros, mas versões vivas e adaptadas desses grandes répteis. "Os dinossauros não foram extintos, absolutamente", diz o herpetólogo e paleontólogo Hussam Zaher. "Eles ainda existem por meio de uma linhagem muito bem-sucedida, que são as aves", explica. Essa é a idéia central por trás da nova exposição permanente do museu, que será inaugurada no dia 30. Ela conta a história da evolução do vôo, desde os dinossauros do Jurássico até os mais simpáticos passarinhos de fundo de quintal. O passeio começa debaixo do esqueleto de 4 metros de altura e 7 metros de comprimento de um carnotauro (Carnotaurus sastrei), parente sul-americano e também carnívoro do tiranossauro (Tyrannosaurus rex). Acima dele, aproveitando o pé direito avantajado do saguão central do museu, estão pendurados dois esqueletos de pterossauro, os primos alados dos dinossauros.

Embutida nessa combinação está outra importante lição da exposição: de que os pterossauros não eram dinossauros nem foram eles que deram origem às aves. "Os pterossauros, sim, foram extintos. Foi uma linhagem que morreu", diz o zoólogo e diretor do museu, Carlos Roberto Brandão. Eles eram arcossauros - um grande grupo de répteis que inclui também dinossauros e crocodilos - e tinham uma estrutura de vôo completamente diferente das aves. O que leva à conclusão de que o vôo surgiu pelo menos três vezes na história dos vertebrados: primeiro com os pterossauros, depois com as aves e, por último, com os morcegos - um independentemente do outro. "Santos Dumont foi o quarto", brinca Brandão.

A idéia de que as aves evoluíram dos dinossauros já era aventada na década de 1930, mas só recentemente começou a ser levada a sério, com a descoberta de fósseis importantes na Espanha, Argentina, Alemanha e, principalmente, na China. O que era apenas uma hipótese transformou-se em algo concreto, escavado cuidadosamente dos sedimentos pré-históricos. As impressões deixadas nos fósseis não deixam dúvidas de que os dinossauros - ou pelo menos alguns deles - também tinham penas. "A princípio achava-se que as penas eram exclusivas das aves. Mas a China derrubou tudo isso", conta o ornitólogo Luís Fábio Silveira, professor do Departamento de Zoologia da USP e curador associado da seção de aves do museu. "Descobrimos que os dinossauros tinham penas, e também voavam."

Evidências fósseis mostram que o vôo surgiu nos dinossauros ainda antes das aves, durante a metade do período Jurássico, cerca de 140 milhões de anos atrás. Pequenos dinossauros, como o Microraptor gui, já decolavam naquela época. A ave mais antiga de que se tem notícia aparece cerca de 10 milhões de anos depois, no final do Jurássico, em fósseis descobertos na Alemanha. É o Archaeopteryx, aparentemente o primeiro animal a deixar sua herança réptil para trás e assumir, definitivamente, a identidade de ave. Numa segunda etapa, a exposição do museu incluirá também uma réplica sua. Por enquanto, quem quiser dar uma olhada no bicho poderá encontrar várias fotos e ilustrações na internet.

IMAGINÁRIO

Vale notar que cada ilustrador imagina a ave de um maneira, a partir das informações anatômicas contidas no esqueleto fossilizado. De fato, conforme mais indícios aparecem, todo nosso imaginário visual dos dinossauros fica radicalmente alterado. Cada vez mais, as ilustrações feitas a partir de novos fósseis mostram animais com penas e outras características aviárias. Se Spielberg filmasse o Parque dos Dinossauros hoje, em vez de em 1993, seus protagonistas répteis poderiam ter uma aparência bem diferente. O temível e ardiloso velociraptor, segundo estudos recentes, foi quase que um irmão das aves e tinha o corpo, provavelmente, coberto de penas. Mesmo o grande tiranossauro, aparentemente, tinha penas no corpo quando filhote.

Por quê? As forças evolutivas por trás dessas características podem ter sido muitas. É provável que as penas primitivas tenham sido uma adaptação dos répteis, animais de sangue frio, para diminuir a perda de calor e controlar melhor sua temperatura corporal, afirma Zaher. Já a capacidade de voar teria surgido como uma forma de explorar novos nichos ecológicos, completa Silveira.

O fato é que, seja lá o que for que tenha aniquilado a maioria dos dinossauros - provavelmente o impacto de um meteoro, 65 milhões de anos atrás, que mudou radicalmente o clima da Terra -, não conseguiu acabar com as aves. Pelo contrário, abriu espaço para que elas, assim como os mamíferos, se proliferassem pelo planeta.

"As aves são dinossauros, sem sombra de dúvida", sacramenta Silveira, que recentemente descobriu uma nova espécie nos arredores de São Paulo: o bicudinho-do-brejo-paulista.