Título: O que Lula pode dar ao MST
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2005, Editoriais, p. A3

Depois de 16 dias de caminhada, desde a concentração feita em Goiânia, a 205 quilômetros, chegou à capital do País a Marcha Nacional pela Reforma Agrária, realizada pelo Movimento dos Sem-Terra (MST), com a participação de cerca de 12 mil pessoas, ao custo (por baixo) de R$ 5,5 milhões. Ainda não sabemos de que forma o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recebeu ontem uma comissão de representantes da entidade, poderá acolher a pauta de reivindicações do movimento, constante de 16 itens. Supomos, no entanto, que o presidente terá grandes dificuldades em atender a algumas delas. Com efeito, por mais que o presidente do Brasil desfrute de um bom relacionamento pessoal com seu colega norte-americano, achamos pouco provável que Lula consiga obter de Bush - para satisfazer a uma das exigências dos sem-terra brasileiros - a retirada das tropas norte-americanas do Iraque. Também dificilmente o presidente determinará ao ministro Palocci a "aplicação do superávit primário anual em programas sociais", porque os superávits primários são criados, justamente, para limitar os investimentos, em defesa da estabilidade monetária. Em outros casos, o presidente Lula poderá dizer aos líderes do MST que algumas de suas reivindicações não cabem por já estarem sendo devidamente atendidas. É o caso, por exemplo, da demarcação das terras indígenas e da exigência de "barrar acordo com a Alca" - o que Lula garante que já fez.

Quanto à cobrança de 430 mil assentamentos, dentro do programa de reforma agrária do governo, não há como deixar de justificá-la, se levarmos em conta a disparidade entre o que o candidato e seu partido prometeram e o que foi, até agora, efetivamente cumprido. Mas justificativa menor haverá, para essa exigência, se levarmos em consideração o real contingente da população que, de fato, demanda a posse de terras para cultivo e produção. Observe-se que à grande marcha foram "incorporados" habitantes de periferias urbanas, que jamais haviam tido qualquer experiência no trato com a terra.

Certamente, há uma questão, que não consta do "programa de governo" de 16 pontos do MST, que poderia ser bem encaminhada a partir do diálogo entre o presidente Lula e os coordenadores do MST. Seria o registro legal desse movimento, que, apesar de ter assumido grande importância política e social, apesar de mobilizar muitos recursos (federais, estaduais e municipais), permanece em plena clandestinidade, atuando por meio de intermediários e sem ter a menor responsabilidade de prestação de contas. Já que sua atuação é eminentemente política, embasada em ideário e avaliações conjunturais - internas e internacionais -, de todo recomendável seria que essa entidade se tornasse, efetivamente, um partido político e concorresse a eleições, dentro das regras do nosso sistema democrático de representação e governo, lançando como candidato para concorrer com Lula, com cujas políticas não concorda, seu líder João Pedro Stédile.

Com a transformação do MST em um partido político regularmente registrado, o chefe de Estado e governo não passaria pelo constrangimento de receber um movimento fora da lei, sem existência jurídica - e aqui nem nos referimos aos métodos ilegais de que tem lançado mão para estruturar-se e crescer, tais como: o esbulho possessório; a depredação de bens públicos (como as cabines de pedágio) e particulares (como as sedes de fazendas); os saques de caminhões; o impedimento da liberdade de ir-e-vir das pessoas, por meio da ocupação e interdição de vias públicas; o cárcere privado a que submetem empregados de propriedades rurais produtivas; a ocupação de prédios públicos - e tantos outros atos de claro desrespeito à lei e à ordem pública.

As cenas estampadas pelas fotos dos jornais, mostrando policiais rodoviários portando mochilas com grandes logotipos do MST, são uma chocante demonstração do nível de cooptação obtido, por esse movimento fora da lei, dos agentes do Poder Público. Continuando assim, não será surpresa se, na próxima marcha que empreender, o MST contar com o apoio logístico não só de policiais rodoviários, mas das nossas Forças Armadas, com suas tropas e equipamentos colocados à disposição da "segurança" de um "movimento social" - o qual tenta cooptá-las apoiando suas reivindicações salariais. Quer dizer, não falta muito para vermos quepes substituídos por bonés vermelhos.