Título: Atitude de garotinho
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2005, Nacional, p. A6

A reação de Anthony Garotinho à sentença da juíza Denise Appolinária já teria soado suficientemente imprópria fosse fruto apenas da manifestação de um secretário de Governo, duas vezes prefeito de Campos e ex-governador do Rio de Janeiro. Adquire intensa gravidade, entretanto, quando quem diz o que ele disse a respeito da conduta pessoal da juíza, qualificando-a como "terrorista" e "tendenciosa", postula nada menos que a Presidência da República.

Pudéssemos classificar a reação do ex-governador - e da governadora Rosângela Matheus, também irada por ser considerada inelegível em sentença de primeira instância - de ingênua, certamente poderíamos evitar chamá-la de desrespeitosa e de cunho autoritário frente a uma decisão da Justiça.

Mas, por mais que a reação cólera e, esta sim, politicamente incorreta, tenha tido o condão de atrair sobre o casal uma onda de revolta e antipatia, Garotinho foi tudo menos ingênuo.

Revelou, antes, sofrer de mal assemelhado - e acentuado - ao que acomete também seu adversário o presidente Luiz Inácio da Silva: desapreço a formalidades, descuido com as palavras, presunção de autoridade absoluta e desconsideração pelo discernimento alheio.

Não são atributos que o ajudem a firmar junto ao eleitorado a imagem de que poderia vir a suceder Lula na chefia da Nação com chance de desempenho pessoal diferenciado - para melhor.

Ao contrário, do atual presidente da República já ouvimos muitas e nem sempre boas. Mas, afrontas a decisões da Justiça dele não vimos quando, por exemplo, foi condenado pela Justiça Eleitoral a pagar multa por uso indevido do cargo na campanha de Marta Suplicy à reeleição na Prefeitura de São Paulo. A Advocacia-Geral da União recorreu da sentença e ficamos por aí dentro dos limites da legalidade e da legitimidade.

Também o Supremo Tribunal Federal até recentemente tomou decisões contrárias às expectativas do Palácio do Planalto e nem por isso o presidente ou qualquer integrante do governo achou-se no direito de desancar publicamente a reputação dos ministros do STF.

Neste aspecto, Garotinho, tão rápido na formação de conceitos desabonadores a respeito do governo ao qual dá combate na política, mostra-se desde já em desvantagem.

Exibiu-se estouvado, mas não inédito, na resposta, indiferente à evidência de que não reina mais na província, não estava em cenário de disputa política e de que cumpre burilar seu comportamento caso queira mesmo integrar o elenco de líderes políticos de alcance nacional.

Dizem os advogados do PMDB que Garotinho e a governadora Rosângela não tiveram a intenção de "ofender" a juíza. Pois se não foi isso, pretenderam, e conseguiram, agredir a instituição Justiça.

E se não tiveram nenhum dos dois propósitos, pior: não sabiam o que estavam fazendo, ou dizendo, quando a título de defesa buscaram desqualificar a juíza. Desse modo, abrindo mão da batalha no campo racional, aceitaram o pressuposto de que, no caso, contra os fatos relatados na sentença realmente não há argumentos.

Graças aos instrumentos conferidos pela Justiça, o ex-governador e a governadora têm direito a recursos a instâncias superiores e poderão, se reformada a sentença de Denise Appolinária, recuperar as condições de elegibilidade.

O dano político para ambos, porém, está posto. Sem entrar no mérito do arrazoado apresentado pela juíza - que recupera e fixa na memória nacional o que foi a campanha de 2004 no Rio, quando até o gabinete a governadora transferiu para Campos -, a reação de Anthony Garotinho ofereceu ao País um exemplo de como se porta um candidato à Presidência da República frente a uma contrariedade de ordem institucional.