Título: O leão e os remédios
Autor: CELSO MING Colaborou Danielle Chaves
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2005, Economia, p. B2

Algumas regras da Receita Federal não fazem sentido. Se você for ao dentista e lá receber incrustações de ouro e platina ou se gastar um dinheirão para deixar sua arcada dentária parecida com a da Gisele Bündchen ou com a do namorado dela, Leonardo di Caprio, tem direito a descontar tudinho do Imposto de Renda.

O mesmo ocorre com despesas hospitalares ou em clínicas médicas. Em internações, tudo o que for gasto é dedutível: despesas com médicos, sala cirúrgica, aparelhos de última geração, remédios e até gastos que, na verdade, são de hotelaria, como apartamento de luxo, com TV e todos os confortos. Pelo mesmo critério, são dedutíveis gastos com "tratamento de obesidade", ainda que feito em spa de grã-fino. Enquanto isso, pobre, que nem Imposto de Renda recolhe pois não tem renda, encara a conta com remédios como der.

O especialista em Assuntos Tributários Samir Choaib, do escritório Choaib, Paiva, Monteiro da Silva e Justo Advogados, comenta que, se se detiver sobre uma nota fiscal emitida por um spa, um auditor da Receita Federal encontraria elementos para glosar uma dedução com base nesse documento. "Mas até hoje não vi acontecer."

Baseada em regulamentos, a Receita Federal não permite o abatimento de despesas com tratamento de saúde em casa. Hipertensos, diabéticos, portadores do mal de Chagas ou de câncer não podem fazer essas deduções. A política aparentemente pretende eliminar abusos com automedicação e com produtos que não têm a ver com remédio, como cosméticos, xampus e até alimentos, também vendidos em farmácia. É uma política que prejudica os doentes crônicos, especialmente aposentados e idosos, tão dependentes de remédios.

No dia 19 de abril, em ação civil pública julgada na 3.ª Vara Federal, da 9.ª Subseção Judiciária de Piracicaba, a juíza Mônica Aparecida Bonavina determinou que, a título de Antecipação de Tutela, contribuintes e seus dependentes ficam autorizados a deduzir do Imposto de Renda despesas com compra de lentes corretivas (e óculos, inclusive armação, limitados a R$ 100); aparelhos auditivos; e medicamentos. A decisão está em vigor, mas sujeita a sentença final.

A regulamentação do Imposto de Renda diz apenas que despesas com medicamentos só são dedutíveis se constarem da conta de estabelecimento hospitalar ou ambulatorial; e é só. Na Europa e no Canadá, o governo reembolsa parte ou toda despesa com remédios. Quinta-feira, o governo Lula encaminhou ao Congresso projeto de lei a ser votado em regime de urgência que prevê subsídios a medicamentos usados no tratamento de diabete e hipertensão, mas não avança nenhuma mudança nas atuais disposições do Imposto de Renda. A previsão de despesas levanta dúvidas sobre a consistência do programa: se há R$ 300 milhões por ano para pagar essa conta e se existem 11,5 milhões de hipertensos e diabéticos, não vão sobrar mais do que R$ 2,17 mensais por doente.

Na Câmara dos Deputados tramita o projeto de lei 3018/2004 que prevê dedução de remédios limitados a 10% da renda bruta. No Senado outro projeto (16/00) autoriza abatimento integral para despesas de medicamentos feitas por maiores de 60 anos. Não há prioridade para votação desses projetos.

O problema, porém, é a inconsistência do regime de isenções do Imposto de Renda e a injustiça para com o contribuinte que precisa do remédio. Quem sabe os congressistas tomem carona no projeto de lei dos subsídios aos remédios e corrijam essas distorções.