Título: Ditador nunca deu voz para a oposição
Autor: Craig Murray *
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2005, Internacional, p. A16

LONDRES - Nem bem os corpos dos manifestantes pró-democracia no Usbequistão esfriaram e a Casa Branca já está tentando encontrar um jeito de se livrar deles. O porta-voz da Casa Branca, Scott McClellan, disse que os mortos na cidade de Andijan incluíam "terroristas islâmicos" que ofereciam resistência armada. Eles deveriam, insiste McClellan, buscar um governo democrático "por meios pacíficos, não por meio de violência". Isso não é a Geórgia, a Ucrânia ou até o Quirguistão. Lá, os partidos de oposição podem concorrer à eleição. Os resultados foram arranjados, mas a oportunidade de propagar sua mensagem trouxe mudança.

Nas eleições usbeques de 26 de dezembro, a oposição não teve permissão de participar. Não há liberdade de imprensa. No sábado de manhã, quando Andijan estava nas manchetes dos principais jornais do mundo havia dois dias, a maior parte das pessoas na capital, Tashkent, ainda não tinha idéia do que estava acontecendo.

No dia 7 de dezembro, um piquete pacífico nos portões da embaixada britânica foi dispersado com grande violência, incluindo entre suas vítimas mulheres e crianças. Então, como os usbeques podem buscar democracia "por meios pacíficos"? Tome-se como exemplo os 23 empresários cujo julgamento por "extremismo islâmico" resultou nos acontecimentos recentes. Se a multidão não os tivesse tirado da cadeia, o que teria acontecido a eles? A taxa de condenação em julgamentos criminais e políticos no Usbequistão é de mais de 99% - nas câmaras de tortura do presidente Karimov, todos confessam.

A organização Human Rights Watch produziu um relatório no ano passado com mais de 300 páginas. Uma das funções da tortura usbeque é fornecer informações à CIA e ao MI6 ligando a oposição com o terrorismo islâmico e a rede Al-Qaeda. As informações são quase todas furadas e foram os meus esforços de fazer o MI6 parar de usá-las que levou à minha demissão pela Chancelaria britânica.

Karimov é o típico homem de George W. Bush na Ásia Central. A base aérea aberta pelos EUA em Khanabad não é essencial para as operações no Afeganistão, sua suposta razão de ser. Tem um papel mais crucial como postos avançados de proteção ao oleoduto que transporta gás e petróleo através da Ásia Central. Por isso, o povo usbeque pode continuar morrendo. Quem se importa?

*Craig Murray foi embaixador britânico no Usbequistão de 2002 a 2004