Título: Risco PIB desafia o Copom
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2005, Economia, p. B5

O desaquecimento da economia será um tema central na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) desta semana, programada para a terça e a quarta-feira. Segundo vários economistas, a atenção dos nove membros votantes do Copom, que desde setembro se concentrou na inflação e nas expectativas inflacionárias, deve agora se debruçar com muito cuidado sobre o grau de resfriamento pelo qual a economia brasileira já está passando. "Nesta reunião, o tema da atividade econômica deve ter bastante reflexão", diz Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco. Saber qual a intensidade do desaquecimento é crucial por duas razões. A primeira é que todo banco central preocupa-se tanto com o risco inflacionário quanto com o chamado "risco do produto" - isto é, o perigo de que crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) possa ter uma desaceleração brusca, ou até que haja uma queda, por causa dos juros altos que foram usados para frear a economia e reduzir a inflação.

RITMO

O Brasil cresceu 5,2% em 2004, e hoje as previsões do mercado para 2005 estão em torno de 3,5%. Se isso ocorrer, será considerado uma desaceleração normal e necessária para que a inflação convirja para a meta (4,5% no longo prazo), criando as condições para que o crescimento seja sustentado, e possivelmente até acelere posteriormente para um ritmo um pouco acima do deste ano.

O risco, porém, é que o BC, ao subir a Selic, a taxa básica de juros, de 16% para 19,5% desde setembro do ano passado, tenha aplicado uma dose excessiva, e o crescimento da economia em 2005 caia abaixo de 3%, ou mesmo fique próximo a 2%. Um resultado destes seria insatisfatório, já que nenhum banco central trabalha para provocar oscilações tão fortes no PIB.

Barros observa que, nas atas das diversas reuniões mensais do Copom desde meados do ano passado, o BC vem mostrando muita confiança quanto à consistência do crescimento da economia. Agora, porém, observa o economista, "já há um processo inequívoco de desaceleração". Por isso, o BC deve avaliar com mais cuidado o "risco de produto" de uma eventual decisão de elevar de novo a Selic. Alexandre Pavan Póvoa, diretor da Modal Asset Management, diz que "meu grande medo é que a autoridade monetária esteja passando da curva em termos de atividade econômica" - em outras palavras, que esteja exagerando a dose.

PRESSÕES

A segunda razão pela qual o BC deve analisar com muito cuidado o grau de desaquecimento da economia é, de certa forma, uma preocupação inversa: se a demanda por bens e produtos não foi suficientemente amainada pela alta dos juros, a desaceleração inflacionária que já vem ocorrendo nos preços por atacado pode não chegar, ou demorar a chegar, aos preços no varejo. Para o BC, o que interessa diretamente são os preços no varejo. Eles afetam a inflação ao consumidor, que é medida pelo IPCA, o índice oficial para cumprimento da meta.

No início de 2005, vários fatores de pressão inflacionária somaram-se para complicar a vida do BC. O preço internacional das commodities - matérias-primas como petróleo, minerais, produtos agrícolas - continuou um movimento de alta que já vinha durando alguns anos. O dólar oscilou, mas em março já estava acima da cotação do início do ano. A seca no Sul e outros fenômenos climáticos jogaram para cima o preço dos produtos agrícolas. E a economia ainda carregava parte do gás demonstrado em 2004.

Essa conjuntura desfavorável começou a mudar no segundo trimestre. As commodities se estabilizaram e algumas até começaram a cair. O dólar saiu de US$ 2,76 em março para US$ 2,47 no fechamento desta última sexta-feira. Os preços agrícolas desaceleraram e até registraram deflação, passados os efeitos da seca. E a economia enfrentou um desaquecimento.

ATACADO

O problema do BC, porém, é que os fatores favoráveis do segundo trimestre nem de longe se manifestaram ainda nos preços ao consumidor. O IPCA de abril veio no nível altíssimo de 0,87%, e os núcleos da inflação ao consumidor - medidas que buscam captar a tendência mais de longo prazo - estão próximos a 0,70% ao mês, um nível totalmente incompatível com a meta de longo prazo de 4,5% ao ano. "Os núcleos está mostrando uma resistência muito grande em cair", diz Gustavo Loyola, sócio da consultoria Tendências e ex-presidente do BC.

Na verdade, mesmo a queda dos preços no atacado ainda deixa a desejar, porque por enquanto ela está concentrada nos preços agrícolas e não se manifestou com muita clareza nos preços industriais. A maioria dos economistas está convencida de que a combinação de juros altos, câmbio valorizado e commodities comportadas vai acabar chegando aos preços do consumidor. O problema é quando, e com qual intensidade, isso acontecerá.

Se a demanda de fato foi contida pela política de juros altos do BC, essa transmissão do atacado para o varejo vai acontecer de forma mais rápida e intensa. "A transmissão depende muito do nível de atividade", diz Póvoa.

De qualquer forma, parece haver quase um consenso de que a transmissão acabará ocorrendo, e o BC encerrará em breve o processo de alta da Selic. "Há 90% de chance de que o ciclo de aperto monetário se encerre nesta ou na próxima reunião do Copom", prevê Barros.