Título: Na informalidade, o sustento de meio Brasil
Autor: Nilson Brandão Junior
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2005, Economia, p. B8

Um estudo do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) mostrou que quase metade dos brasileiros (47%) está em famílias chefiadas por trabalhadores na informalidade, ligados à micro e pequena empresa. O porcentual sobe ainda mais entre os mais pobres: 70%. E encolhe dentre os mais ricos, para perto de 25%. Na avaliação do diretor-executivo do instituto, André Urani, apenas a ampliação do acesso a serviços - incluídos crédito, telecomunicação, bancos e capacitação - pode reverter o quadro. "Reduzir a cunha fiscal hoje é importante para aumentar grau de formalização no mercado de trabalho, mas isso não basta", afirmou. Dentre os mais pobres predomina o trabalho informal. O peso do emprego com carteira é mais baixo nos extremos de pobreza e riqueza.

A proporção de empregados com carteira assinada é mais alta nas classes médias de renda (perto de 37%). Na extremidade dos mais pobres, os chamados indigentes, apenas 14% tinham carteira. Nesta faixa, predominam trabalhadores por conta própria (31%), sem carteira (16%) e domésticos (9%). A linha de indigência abrange renda familiar per capita igual ou abaixo de R$ 73.

Com base nos dados de 2003, seriam quase 25 milhões de pessoas, das quais 70% (17 milhões de pessoas) em famílias chefiadas por trabalhadores informais.

No extremo oposto, dos muito ricos (com renda mensal per capita igual ou superior a R$ 3.150), 32% dos chefes de família são empregadores, 25% empregados com carteira assinada e 18% funcionários públicos.

Urani afirma, contudo, que o emprego com carteira vem aumentando no País. Ele reconhece que em metrópoles como o Rio e São Paulo esta percepção é menor, por causa da queda brutal do emprego com carteira desde a última década.

O caso de Carlos Gonçalves, 63 anos, mostra bem o esforço que o brasileiro faz diariamente para ganhar dinheiro e sustentar a família. Dono de botequim até o começo da década de 90, hoje ele acorda diariamente às 7h para iniciar extensa rotina. Vai ao supermercado cedo, compra, em média, 15 quilos de carne e volta para casa às 9h, onde, até o meio da tarde, tempera e prepara os pedaços que serão servidos em espetos.

Gonçalves tem uma carrocinha de alumínio e aço inoxidável, de nove anos de uso, com a qual vende aproximadamente 140 espetinhos por dia, ao preço de R$ 1,75, além de incontáveis latinhas de cerveja, no Rio. Por mês, ele compra perto de 250 quilos de carne. Os espetos geram uma venda líquida perto dos R$ 2 mil mensalmente para a família - descontados os custos com o negócio.

Foi assim que resolveu o problema financeiro criado com o Plano Collor. Na época, vendeu o bar que tinha e depositou o dinheiro no banco. Em pouco tempo, seus recursos foram confiscados. Passou a trabalhar por empreitada para outros donos de bar, até que veio a idéia da carrocinha. O trabalho ajudou o filho a se formar na universidade. "Isso aqui é melhor. Não tem fiado, não me aporrinho com empregado. Sou sozinho. Não quero outro bar", afirma.

Urani lembra que a informalidade no trabalho envolve mais do que camelôs ou trabalho nas ruas. Inclui atividades desde prestadores de serviços domésticos aos donos de pequenos negócios. "O mundo da informalidade é muito mais vasto. É de uma dimensão gigantesca", diz.

O diretor defende política agressiva de apoio às micro e pequenas empresas e diz que isso é possível "democratizando acesso aos serviços necessários para que as empresas sejam capazes de crescer". E pondera: "Não é por ser informal que tem de ser excluído da obtenção dos serviços. É preciso dar acesso aos serviços que, em última análise, permitirão a ele se formalizar no futuro."

A outra dimensão da informalidade, que extrapola o mercado de trabalho, é o não pagamento de impostos nas atividades econômicas. O assunto foi debatido em recente evento na PUC/RJ.

O presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), Emerson Kapaz, indica que a economia informal afeta a produtividade média do País.

Um estudo encomendado à consultoria McKinsey mostra que produtividade da economia informal equivale à metade da formal. A estimativa é de que se a informalidade encolhesse 1% ao ano no País abriria espaço para um crescimento adicional da renda per capita nacional em 1,5% anualmente.

Kapaz explicou a informalidade e a concorrência desleal estão ligados à sonegação, pirataria e falsificação, além do contrabando. "Os sacoleiros são os inocentes úteis, dependem disso para sobreviver."