Título: Huaxi, a aldeia número 1 da China
Autor: Jonathan Watts
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2005, Economia, p. B11

O caminho da China para a riqueza não poderia ser mais ousadamente indicado do que em Huaxi, oficialmente a aldeia mais rica do país. Veja a limusine do governo municipal pela Ponte Têxtil, passe pelas chaminés das siderúrgicas, acelere por fileiras e mais fileiras de casas azul claro simétricas, contorne o hotel de 15 andares em forma de pagode e depois desça do carro para uma caminhada pela capital. Esse passeio com cobertura de concreto é um monumento ao progresso material vertiginoso desde que os dirigentes chineses começaram a misturar as beberagens ideológicas, 26 anos atrás.

Nenhuma foi tão longe quanto Huaxi na combinação de rígido controle político do dominante Partido Comunista com a economia de mercado do enriquecimento rápido - e os resultados são apregoados como um modelo para a nação.

Para demonstrar o quanto esse coquetel supostamente faz os moradores locais se sentirem bem, a Rua Huaxi é decorada com fotos sorridentes de cada família do povoado.

Todo o patrimônio familiar é listado com detalhes: tamanho da família, valor da propriedade, nível médio de educação, número de membros do Partido Comunista, além de quantos carros, telefones celulares, televisores, máquinas de lavar, computadores, aparelhos de ar-condicionado, bicicletas motorizadas, câmeras, refrigeradores e aparelhos de som elas possuem.

À primeira vista, os números parecem justificar a pretensão de Huaxi de ser a "aldeia número um da China". Desde 1995, quando Huaxi se tornou a primeira comuna da China a lançar ações na bolsa de valores, as empresas locais, na maioria têxteis e siderúrgicas, decolaram. Sua expansão espetacular fez até mesmo a taxa de crescimento média nacional de 9% ao ano parecer morosa. Em 2003, a aldeia registrou faturamento combinado de suas empresas de 10 bilhões de renminbi (US$ 1,185 bilhão). No ano passado, atingiu 26 bilhões de renmimbi (US$ 3,147 bilhões) - e para 2008 espera-se uma nova duplicação.

Isso transformou os residentes - todos ainda oficialmente registrados como camponeses - em ricos industriais. Nos demais lugares do país, a renda média anual disponível dos moradores urbanos só recentemente superou os US$ 1.000. No campo, a cifra é dois terços inferior. Mas os residentes de Huaxi recebem um salário anual equivalente a U$ 1.500, um bônus de U$ 10 mil e dividendos de U$ 25 mil.

Há 20 anos, eles eram na maioria agricultores vivendo em pequenas casas térreas, que sofriam para juntar o dinheiro para comprar uma bicicleta. Agora, são acionistas com um espaço de vida médio superior a 450 metros quadrados e pelo menos um carro familiar. Com essas impressionantes estatísticas, Huaxi é exibida como um modelo na campanha nacional de reeducação de quadros do Partido Comunista. Também atrai uma quantidade crescente de estrangeiros, atrás de pistas sobre os rumos da sociedade chinesa.

Este é um assunto de crescente preocupação no mundo. No início deste ano, Bill Gates, da Microsoft, elogiou a China pelo desenvolvimento de uma "nova forma de capitalismo". Os políticos de Pequim preferem falar de "socialismo científico" ou "socialismo com características chinesas". O modelo de Huaxi não é, de maneira nenhuma, a única opção para as aldeias, mas se ele se tornar um parâmetro, o futuro poderá ser facilmente descrito como feudalismo acionário.

Localizada a cerca de 160 quilômetros ao norte de Xangai na Província de Guizhou, Huaxi já foi descrita na mídia doméstica ora como paraíso ora como ditadura. Embora tenha residentes nominalmente mais ricos do que qualquer outra comunidade, eles têm menos tempo e liberdade para gastar seu dinheiro. Bares e restaurantes fecham antes das 22 horas para que os trabalhadores não durmam além da conta.

Feriados são raros. E os aldeões recebem pouco dinheiro vivo de seus bens mobiliários - 80% de seu bônus anual e 95% de seu dividendo devem ser reinvestidos na comuna. Se abandonarem a aldeia, essa riqueza mobiliária desaparece.

"Nossos ativos pertencem à comuna e não ao indivíduo," disse Sun Hai Yan, membro do governo da aldeia. "Temos um dito local de que o seu dividendo dura somente enquanto você permanece na aldeia e as fábricas continuam operando." Mas com o nível de vida crescendo rapidamente, poucas pessoas parecem se importar com isso. Sun se saiu especialmente bem. Ele se lembra que quando era criança só comia carne uma vez por semana. Agora, ele contempla visitantes com lautos pratos de baiacu no restaurante local e vive numa mansão nova - decorada com colunas gregas e escadaria de mármore - à beira de um lago artificial.

Pragmatismo em vez de ideologia é o princípio diretor. "Seja um novo tipo de ismo ou um velho tipo de ismo, nosso objetivo é deixar todos ricos", disse Wu Renbao, o ex-chefe da aldeia, considerado o iniciador do milagre de Huaxi.

Durante a Revolução Cultural, Wu foi publicamente humilhado na praça da aldeia como "aventureiro capitalista" porque queria instalar uma fábrica na comunidade. Cinco anos depois, no início do período de reformas, foi novamente criticado por se opor à tendência nacional de devolver as terras aos camponeses. Preferiu mantê-la como propriedade coletiva facilitando a sua expropriação para fins empresariais.

Agora, ele é tratado como herói nacional. Mas diz que o princípio diretor é simples. "As pessoas por aqui têm cinco metas na vida: dinheiro, um carro, uma casa, um filho e respeito. Nós lhes damos isso. Toda família aqui é rica. Nosso alvo agora é tornar toda a China rica." O sistema Huaxi lembra mais as dinastias imperiais de outrora que o comunismo. No topo está a família governante: Wu foi substituído como chefe de aldeia por seu filho, Xie'en, recentemente reeleito com 100% dos votos na comuna. Pelo menos metade das principais empresas da aldeia são administradas por outros filhos e netos.

Na base estão os 30 mil trabalhadores migrantes que fazem a maior parte do trabalho em siderúrgicas e fábricas têxteis por menos de 80 libras por mês. "Eles recebem salários iguais aos dos nativos," disse Wu. "A diferença é que não possuem capital próprio." Mas, para manter todos contentes, Huaxi precisa manter um crescimento acelerado. A aldeia original de 1.500 famílias engoliu 26 aldeias na busca por mais terra. A população atual supera 60 mil, incluindo migrantes.

Xie'en diz que a estabilidade política é a base do crescimento acelerado. "Acho que cada era tem uma fórmula diferente para o sucesso. O mais importante é ser flexível e aberto para novas maneiras de pensar. Precisamos fazer coisas que funcionem", diz ele. "Não somos comunistas. Pertencemos 100% a acionistas." Mas na escola maternal local, as crianças - 80% das quais são meninos de famílias migrantes - ensinam outra coisa.

"O céu de Huaxi é o céu do comunismo. A terra de Huaxi é a terra do socialismo", diz a canção da aldeia cantada pela diretora Wu Jie - outra neta do velho secretário-geral.

"Nós levamos as crianças para circular por nossa aldeia e mostramos a elas o quanto nos tornamos ricos. Dizemos a elas que devemos isso ao nosso industrioso chefe de aldeia", disse Wu Jie. "Queremos que elas cresçam como boas comunistas."