Título: Negociar ou brigar?
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2005, Economia, p. B2

Se um mau acordo é sempre preferível a uma boa demanda judicial, que vantagens pode obter o Brasil que já levou 22 ações (com 20 vitórias) ao Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC)? Não seria melhor investir nas negociações entre Estados soberanos do que provocar países ricos com processos dispendiosos que nem sempre são cumpridos? No seminário realizado segunda-feira e ontem em São Paulo, que examinou os resultados dos primeiros dez anos da OMC e do seu Órgão de Apelação, o ex-ministro da Agricultura Pedro de Camargo Neto, um dos responsáveis pela condução das ações do algodão (contra os Estados Unidos) e do açúcar (contra a União Européia), preferiu dizer que, "embora não seja bom, litígio é saída quando não há campo para negociação". Ainda assim, é sempre instrumento de avanço nas relações comerciais, mesmo quando se perde um processo. Por isso, ele sugere que o governo não vacile em correr riscos.

Para o secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Mario Mugnaini, decisões do Órgão de Apelação elevam a segurança jurídica e dão previsibilidade ao sistema multilateral de comércio. Por isso, deve ser fortalecido.

O coordenador-geral de Contenciosos do Itamaraty, ministro Roberto Azevedo, prefere dizer que o litígio é um jeito de enfrentar impérios tendo como arma apenas as regras do jogo. Além disso, esclarece cláusulas, que podem ter sido redigidas propositadamente de forma ambígua, e ajuda a desmistificar a retórica liberalizante dos países ricos quando deixa claro que não cumprem os tratados.

Entre as dificuldades para uso do mecanismo, ele aponta a identificação do interesse do lesado porque nem sempre o exportador conhece as disciplinas (regras) e muitas vezes nem sabe que está sendo prejudicado. Outra, o setor está excessivamente pulverizado e não conta nem com uma associação de classe para defendê-lo, como acontece no setor de produtos hortigranjeiros, fortemente prejudicado por barreiras protecionistas, especialmente as fitossanitárias.

Ao contrário do que diz Camargo Neto, para Azevedo o risco de derrota pode, sim, pôr muita coisa a perder. Se o resultado tivesse sido a derrota do Brasil na ação do açúcar, por exemplo, as próprias negociações agrícolas da Rodada Doha ficariam seriamente comprometidas. Por isso é compreensível, como já aconteceu no Brasil, que um Estado soberano leve meses deliberando se vai ou não ao enfrentamento. Se for, terá de fundamentar solidamente o processo para não correr riscos desnecessários, pois mais tarde o país perdedor poderá deixar de cumprir determinação do Órgão de Apelação, sob a alegação de que a concessão de subsídios não causou prejuízos a terceiros.

Apesar dos progressos, Camargo Neto sente falta de um organimo, no âmbito da OMC, que execute funções de promotoria pública, acompanhe a implementação de sentenças já lavradas e verifique se acordos são cumpridos.

FALHA NOSSA

Na coluna de ontem saiu que o custo de uma ação na OMC pode atingir US$ 3 bilhões. O professor Luiz Olavo Baptista, um dos sete juízes do Órgão de Apelação da OMC, observa que US$ 3 bilhões é o ganho que se pode obter em alguns anos no comércio internacional com uma vitória como a obtida pelo Brasil nos casos do algodão e do açúcar. Mas o custo de um processo é, na verdade, mil vezes mais baixo, de US$ 3 milhões.

Mas, se está nessa faixa, por que é tido como alto demais para países pobres, especialmente se há Organizações Não-Governamentais (ONG's) que se prontificam a cobrir essas despesas, como afirma o ex-ministro Camargo Neto?

Para Azevedo, o problema não está tanto no custo, mas no risco político que corre o país pobre de enfrentar grandes potências.