Título: Maria, de 10, do abuso à prostituição
Autor: Liege Albuquerque
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2005, Metrópole, p. C3

Maria (nome fictício) tem 10 anos e vai estar amanhã, Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, no mesmo ponto da Avenida Brasil, na Compensa, periferia de Manaus, onde espera clientes para sexo oral a R$ 10,00 e completo a R$ 20,00. Arredia a conversas, Maria é conhecida no bairro, onde circula há três anos. Contam que veio do interior do Amazonas para morar com a tia. Mas sofreu abuso do tio e fugiu de casa. Desde então, vive na Compensa, perto do endereço antigo, talvez para se sentir protegida, acham os vizinhos. Com outras garotas, todas com menos de 15 anos, Maria espera os clientes chegarem em seus carros importados. Qualquer morador sabe os pontos onde há menores se prostituindo em Manaus: na Praça da Polícia, sob a ponte da Rua Leonardo Malcher, na Feira Manaus Moderna, na Praça de Alimentação do Conjunto Dom Pedro, no V-8, no calçadão da Ponta Negra, na Avenida Brasil.

"Casos como o de Maria parecem fazer parte da paisagem deprimente da cidade, porque não há quem cuide dessas meninas", diz a auditora da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) no Amazonas, Creuza Ferreira Barbosa, que atende casos de exploração doméstica infanto-juvenil. "Mas a principal porta para o abuso sexual e para a prostituição infantil, principalmente na Amazônia, é o trabalho infantil doméstico."

Creuza conta que ela mesma foi, dos 9 aos 11 anos, o que chama de escrava doméstica. "É uma tradição na Amazônia trazer meninas do interior para trabalharem como escravas em casas de família. Só recebem a roupa do corpo e raramente estudam." Creuza conta que as de mais sorte, como ela, não sofrem abuso.

O Instituto Nacional de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) apontou, em 2000, mais de 43 mil meninas trabalhando como domésticas na Região Norte.

Na semana passada, a delegada titular da Delegacia de Assistência e Proteção à Criança e ao Adolescente, Graça Silva, atendeu um caso parecido com o de Maria. "Uma garota de 10 anos, de uma comunidade próxima a Manaus, foi dada para um comerciante criar e ele a estuprou." Para a delegada, campanhas contra o trabalho infantil doméstico e o abuso sexual de jovens são tão importantes quanto a fiscalização nos portos de Manaus. "Qualquer criança viaja hoje em barcos por nossos rios", diz Graça.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 248, obriga o patrão de menores de idade a apresentar a guarda da criança à Justiça. Segundo o Juizado de Menores, não há pedidoS de autorização pendente.

Na Casa Mamãe Margarida, instituição privada católica, moram 38 meninas vítimas de abuso. Para a coordenadora da entidade, irmã Roselandy Souza Vieira, a conscientização das famílias seria o primeiro passo para evitar o abuso. "É nulo o apoio das famílias a estas garotas", conta a freira. Segundo ela, são comuns os casos das garotas que vêm do interior e sofrem abuso dos patrões ou seus filhos. "No ano passado, tivemos uma menina de 11 anos que engravidou do patrão, um comerciante. A tia da garota não veio buscá-la. Ela acabou tendo o bebê e entregando para adoção."