Título: As religiões e o meio ambiente
Autor: José Goldemberg
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2005, Espaço Aberto, p. A2

¿Tudo o que vive e se move será alimento para vós. Da mesma forma que lhes dei as plantas, agora dou-lhes tudo¿ Gênesis (9;3) Essa passagem da Bíblia tem sido interpretada como uma visão antropocêntrica, profundamente antiambientalista, do judeo-cristianismo, que contrasta com a visão budista e hinduísta do mundo, que ensina que os seres humanos devem viver em harmonia com a natureza.

Alguns cristãos têm tentado atenuar a frase do Gênesis, explicando que a intenção do Senhor sempre foi a de proteger a biodiversidade, como quando ordenou a Noé que levasse na Arca um casal de cada criatura viva, para que sobrevivessem ao dilúvio.

Esta podia ser uma questão secundária 5 ou 10 mil anos atrás, quando a população mundial era de alguns milhões de habitantes, mas passou a ser uma questão central nos dias de hoje, em que existem sobre a Terra mais de 6 bilhões de seres humanos.

A ação do homem sobre a natureza atualmente é comparável, em força destrutiva, à das forças geológicas, como terremotos, erupções vulcânicas, inundações e tempestades, e estamos até provocando o aquecimento do planeta, com conseqüências imprevisíveis sobre a vida como a conhecemos.

O uso e abuso da natureza pelo homem põe hoje em risco sua própria sobrevivência.

João Paulo II, no seu longo pontificado, não fez da proteção do meio ambiente uma das suas bandeiras, apesar de se ter manifestado contrário às armas nucleares.

Há especulações de que seu sucessor, Bento XVI, se interesse mais pela questão, como já está ocorrendo com os cristãos ortodoxos, cujo patriarca Bartholomeu é às vezes chamado de ¿patriarca verde¿, por ter caracterizado como ¿pecado¿ a degradação ambiental.

É difícil avaliar a influência que teriam posições mais claras e firmes do novo papa e como isso ajudaria na proteção da natureza, porque esta é uma área em que se chocam interesses os mais variados.

O conflito desenvolvimento versus preservação do meio ambiente é particularmente sério em países em desenvolvimento, onde vivem cerca de 70% da população mundial.

Neles, desenvolvimento é a primeira das prioridades e este desenvolvimento é freqüentemente predatório, dando origem a lucros a curto prazo, mas que não são sustentáveis a longo prazo.

São muitos os exemplos de civilizações inteiras que desapareceram ao explorar de forma predatória os recursos naturais: a civilização pré-asteca na Península de Yucatán desapareceu quando a agricultura, na qual ela se baseava, se deteriorou.

A Ilha de Páscoa, com suas estátuas gigantescas, remanescentes de uma civilização próspera, caiu em completo declínio quando a sua cobertura vegetal foi totalmente eliminada.

Algo semelhante está ocorrendo em partes da África, que sofre um processo avançado de desertificação devido ao avanço da fronteira agrícola sobre as florestas, bem como ao corte indiscriminado de árvores para cocção de alimentos e aquecimento residencial.

É pela mesma razão que boa parte do desmatamento da Amazônia, que se destina a criar pastos ¿ de baixa produtividade ¿ para pecuária, não é sustentável e deve ser evitada.

A legislação ambiental brasileira incorporou princípios gerais que conduzem o desenvolvimento na direção da sustentabilidade.

Pôr essa legislação em prática cria freqüentemente conflitos sérios e que só aos poucos estão sendo solucionados na esfera administrativa ou judicial.

O sistema, que foi estabelecido nas décadas de 1970 e 1980 se originou da Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema), dirigida pelo professor Paulo Nogueira Neto, que deu origem ao Ministério do Meio Ambiente e às Secretarias do Meio Ambiente em diversos Estados.

O Ibama, que resultou da fusão de diversos órgãos já existentes, tornou-se o órgão que licencia empreendimentos e fiscaliza a execução das leis ambientais aprovadas pelo Congresso Nacional (como o Código Florestal) ou no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Em São Paulo, vinculada à Secretaria do Meio Ambiente existe a Companhia Estadual de Tecnologia e Saneamento Ambiental (Cetesb), que licencia e fiscaliza empreendimentos industriais.

Além disso, a Polícia Ambiental, com um efetivo de cerca de 2 mil homens, fiscaliza os parques, as áreas de proteção ambiental e as áreas de cobertura florestal em geral.

Este sistema conta, no total ¿ incluindo o Instituto Florestal e outros ¿, com cerca de 5 mil pessoas dedicadas à proteção ambiental.

O simples fato de que a cobertura florestal do Estado de São Paulo está aumentando e a qualidade do ar na Região Metropolitana, melhorando é uma indicação clara da eficiência deste sistema.

Um maior interesse do novo papa por estas questões poderia ter profundas implicações para o movimento ambientalista, porque existem mais de 1 bilhão de católicos no mundo.

Por sua vez, os cristãos fundamentalistas são uma força política de primeira grandeza nos Estados Unidos, cujo presidente é acusado por muitos de favorecer o enfraquecimento das leis ambientais norte-americanas ao permitir a exploração de petróleo no Alasca, além de outras.

A posição dos fundamentalistas cristãos, politicamente extremados, mas ainda assim cristãos, poderia reforçar muito o movimento ambientalista americano.

A ajuda de muitos setores é necessária para acelerar este processo, que envolve governo, o setor produtivo e organizações não-governamentais.

Cada um deles responde a certas visões e interesses, que vão desde o lucro até a defesa do meio ambiente, sobrepondo-se aos interesses do homem.

Por essa razão, ver a Igreja e, sobretudo, o papa, com sua liderança moral, se envolverem ativamente em questões ambientais seria altamente benéfico e esperamos que Bento XVI exerça esse papel.