Título: Punição exemplar
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2005, Editoriais, p. A3

Uma das decisões mais rigorosas já tomadas pela Justiça Eleitoral, e que pode ter reflexos na campanha presidencial de 2006, a juíza Denise Appolinário, da 76.

ª Vara Eleitoral de Campos, tornou inelegíveis o ex-governador Anthony Garotinho e sua mulher, a governadora Rosinha Garotinho, por uso da máquina política, clientelismo, distribuição de dinheiro sem origem comprovada e abuso de poder econômico.

O processo foi impetrado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro e a sentença, que também cassou o prefeito e o vice-prefeito da cidade, anulou as eleições do ano passado no município.

Entre as provas materiais apresentadas pelos promotores, destacam-se 238 cheques guardados em envelopes com o timbre do governo do Rio de Janeiro; 82 mil kits escolares, no valor de R$ 2 milhões, que seriam distribuídos às vésperas do pleito, faltando menos de dois meses para o término do ano letivo; e 245 cestas básicas que seriam entregues por uma Organização Não-Governamental que tem Garotinho e Rosinha como garotos-propaganda.

Além disso, duas semanas antes das eleições, quando Garotinho se licenciou da Secretaria da Segurança para se dedicar à campanha em seus redutos eleitorais, o governo estadual promoveu um recadastramento para distribuir casas populares por R$ 1; cabos eleitorais da governadora foram flagrados distribuindo cheques em favelas; e dirigentes do PMDB foram presos distribuindo R$ 318 mil em espécie a 50 pessoas.

¿A potencialidade lesiva do abuso do poder político revelado nos autos é inexorável¿, disse a juíza.

Em sua defesa, a governadora do Rio de Janeiro declarou estar sendo vítima de perseguição política, enquanto seu marido procurou desqualificar a autoridade da juíza, alegando que ela estaria agindo a serviço do PT, para tentar impedir sua participação nas eleições de 2006.

Como a magistrada, que vive em Campos, teve várias de suas decisões desrespeitadas pelo casal Garotinho, na campanha municipal de 2004, é até possível que isso explique o rigor de sua sentença.

Mas, embora o Tribunal Regional Eleitoral possa reformá-la, essa é uma questão menor.

Na realidade, muito mais importante do que as duras palavras da titular da 76.

ª Zona Eleitoral, que chegou a comparar os expedientes eleiçoeiros do casal Garotinho às condutas das ¿cleptocracias africanas¿, é o texto legal em que ela se baseou.

Trata-se da Lei 9.

054, de 1997, que define os crimes eleitorais, como o abuso do poder econômico.

Como as leis anteriores, ela também garante a elegibilidade de candidatos punidos pelas instâncias inferiores da Justiça Eleitoral, até a decisão definitiva de seus processos, por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Como essa medida permitia que os condenados eleitos postergassem indefinidamente esse julgamento, possibilitando-lhes concluir seus mandatos, mesmo com provas explícitas de compra de votos, em 1999, por pressão da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros, esse texto legal recebeu um pequeno, mas importante adendo.

É o artigo 41-A, o único da legislação eleitoral que impõe a inelegibilidade instantânea, independentemente dos recursos judiciais que possam ser impetrados.

Segundo esse dispositivo, nos casos de tentativa de ¿captação de sufrágio¿, por meio de doações, ofertas de vantagens pessoais, pagamentos em espécie e promessas de emprego ou função pública, os candidatos condenados perdem automaticamente seus direitos políticos.

Trocando em miúdos, esses crimes eleitorais não precisam mais transitar em julgado para que as sanções aplicáveis tenham validade.

O efeito é imediato.

Deste modo, em vez de tentar postergar o julgamento, os políticos enquadrados nesse artigo têm de fazer o oposto.

Ou seja, têm de se empenhar para que seus recursos tramitem com rapidez nas instâncias superiores da Justiça Eleitoral, para terem chance de poder se candidatar.

É por isso que a condenação do ex-governador Garotinho é exemplar.

É a primeira vez que um político com ambições presidenciais é punido com base nesse artigo.

Se o TSE não julgar os recursos do casal Garotinho a tempo de registrarem suas candidaturas, eles estarão fora das eleições de 2006.

Independentemente de seu desfecho, este caso terá um efeito salutar em nossos costumes políticos.