Título: A CPI e o mal de raiz
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2005, Notas & Informações, p. A3

O presidente Lula não conseguiu impedir que a oposição, com o apoio de 18 parlamentares petistas, colhesse 276 assinaturas de deputados e senadores - 69 além do mínimo necessário - para a criação da CPI dos Correios. São muitas as coisas que ele não tem conseguido: fazer a reforma ministerial para apaziguar os aliados e enfraquecer o bloco antigovernista do PMDB; manter a presidência da Câmara sob controle petista; reconstruir, depois do "estouro da boiada" que tornou possível a ascensão severina, a sua base parlamentar; prevalecer em votações de variada importância no Congresso; manter o tradicional poder do Executivo sobre a agenda legislativa - e fazer a população acreditar que o governo do PT não rouba, nem deixa roubar. Carregando essa bagagem de fracassos, reveladora da inaptidão de Lula e do seu partido para o exercício da política, mesmo com o p minúsculo dos seus padrões costumeiros, o Planalto agora se debate em busca de uma saída para barrar a CPI ou neutralizá-la (nem em relação a isso o núcleo dirigente conseguiu definir uma posição). Está claro, a esta altura, que o ainda incerto destino do inquérito depende menos da erodida liderança do presidente que dos interesses heterogêneos das forças situacionistas. A oposição comemora o fato de 100 deputados e 8 senadores da base de apoio do governo terem subscrito o pedido da investigação. Mas quantas dessas assinaturas foram feitas com tinta indelével?

Dos nomes que poderão desaparecer do requerimento, alguns decerto são de políticos especialistas em criar dificuldades para vender facilidades - eles sabem que, enfraquecido, o governo tem muito a oferecer numa barganha. Mas o que, principalmente, pode inviabilizar a CPI, embora restrita aos Correios, é o seu potencial de ir além do exposto PTB com seu notório presidente, Roberto Jefferson, e alcançar outros partidos e políticos da maioria governista. O PMDB, afinal, detém na empresa três diretorias, ante apenas uma do PTB (e duas do PT). Mais: o presidente da estatal é o peemedebista João Henrique - que responde ao correligionário Eunício Oliveira, ministro das Comunicações.

Foi de caso pensado que Jefferson distribuiu a rodo cópias da íntegra da gravação com o funcionário Maurício Marinho (de quem o deputado logo cuidou de se dissociar). Pois ele cita, entre outros, o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB, e o arquivulnerável senador Ney Suassuna. "O governo parece uma peneira, vazando por todos os lados", avalia o líder da oposição na Câmara, José Carlos Aleluia, do PFL. "É preocupante o número de pessoas que podem estar envolvidas em esquemas de corrupção." E não só nos Correios, acrescente-se. O Estado apontou ontem um foco potencial de fraudes em outra estatal, que lida com valores muitíssimo mais elevados: o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB).

O monopólio movimenta US$ 300 milhões no exterior. O titular da extinta diretoria comercial tinha autonomia para liberar contratos de até US$ 500 mil. O IRB, esclarece a reportagem, não está submetido a nenhuma fiscalização, nem os dirigentes estão obrigados a prestar contas a quem quer que seja. "O acionista majoritário, a União, é quase sempre relapso e pouco atento ao cotidiano do instituto. As grandes seguradoras privadas, que detêm 49% das ações, também não se interessam em cobrar transparência na gestão." Isso explica por que os políticos se engalfinham pela nomeação de afilhados para a cúpula da empresa.

Um dos padrinhos é - quem diria! - o deputado Roberto Jefferson, que ajudou a emplacar o recém-nomeado presidente do IRB, Luiz Appolonio Neto. E quatro das cinco diretorias são loteadas entre os políticos. A situação ilustra perfeitamente o problema estrutural da corrupção na área pública, tratado ontem aqui. De fato, quando os partidos brigam por cargos nos altos escalões do governo visam a ganhos em última análise eleitorais. Quando brigam por cargos nas estatais, o ganho em mira é outro, que não depende das urnas, mas de contratos e concorrências talhados para interessados generosos.

CPIs podem ser eficazes contra as manifestações localizadas desse quadro patológico. Pouco podem contra a patologia. Nem por isso devem ser descartadas - mormente quando, mais uma vez, o assunto corrupção - Correios, Rondônia, Alagoas... - está na ordem do dia. A ira do público contra os políticos é palpável. E não exclui o PT.