Título: Se a moda pega...
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2005, Notas & Informações, p. A3

Chocante é o termo politicamente correto para definir a reação de qualquer cidadão brasileiro diante das filmagens feitas pelo governador de Rondônia, Ivo Cassol (PSDB), nas quais ele aparece como vítima de extorsão de seus interlocutores, todos mandatários do povo na Assembléia Legislativa de seu Estado. O primeiro grupo que apareceu nas imagens reproduzidas pelo programa dominical Fantástico, da Rede Globo de Televisão, era formado pelos deputados Ellen Ruth (PP), Ronilton Capixaba (PL) e Daniel Nery (PMDB). Estes pediram ao governador um pagamento mensal de R$ 50 mil, dizendo representar um grupo de dez deputados estaduais, e apresentaram um argumento forte para obter o que pleiteavam: ou o governador cedia ou ele não teria como governar. Apareciam ainda na fita os deputados Emílio Paulista (PPS), Amarildo Santos (PDT), João da Muleta (PMDB) e o vice-presidente da Assembléia, Kaká Mendonça (PTB).

A simples enunciação das siglas a que os interlocutores do governador pertencem serve para demonstrar que se trata de um bloco de partidos políticos (sete deputados de seis bancadas), todos com o objetivo comum de se locupletarem de seus mandatos de representação popular para enriquecer à custa do Erário. O cinismo do diálogo torna-se patente em observações como a que o deputado Capixaba fez para rebater a negativa do governador Cassol (que evidentemente sabia que estava sendo filmado, uma vez que era ele quem filmava) de que ele também estaria "levando o seu". "Mas aí alguém leva como executor. Porque é de praxe. Você não vai consertar o mundo", disse o deputado. E contrasta com o fervor cívico (e ético) com que os protagonistas dessa fita discursavam na tribuna da Assembléia, o que também foi exibido na reportagem da tevê.

A repercussão da atitude do governador provocou duas reações nos outros Poderes naquele Estado nortista. O Legislativo defendeu seus membros mandando a acusação de volta, como um bumerangue. Segundo os denunciados, o governador começou a ameaçar divulgar as gravações no fim de 2003, sempre que era contrariado pela Assembléia, mas só procurou a imprensa para isso depois de 21 de março, quando 20 deputados autorizaram o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a processá-lo por formação de quadrilha e por fraudar licitações em favor de empresas ligadas a ele entre 1997 e 2002, quando era prefeito municipal de Rolim de Moura. Na denúncia, apresentada ao STJ pelo Ministério Público Federal, empresa que não tivesse alguma conexão com o então prefeito não vencia licitação nenhuma no município. Isso foi confirmado por adversários do governador que não aparecem na fita, caso do petista Nereu Klosinski, que denunciou: "Essas mesmas empresas continuam vencendo todas as licitações no governo. Cassol não se emendou." O governador atribuiu tais acusações a armações dos adversários.

No meio desse imbroglio, em que todos denunciam todos e apresentam argumentos aparentemente sólidos, levando a crer que esta não é uma história de mocinhos e bandidos, mas apenas destes, o Poder Judiciário também deu uma mãozinha à confusão geral: liminar concedida pelo desembargador Gabriel Marques proibiu a Rede Amazônica, afiliada da Globo na região, de levar ao ar as imagens e diálogos sobre o escândalo. A censura (além de tudo discriminatória, uma vez que se limitou a Rondônia), classificada de "lamentável" pelo procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, foi o estopim que inflamou a indignação popular. Na noite de domingo, manifestantes arriaram as bandeiras do Brasil, de Rondônia e da capital, Porto Velho, hasteadas à frente da Assembléia e jogaram ovos em sua fachada. No dia seguinte, repetiram-se os protestos naquele local e diante do Tribunal de Justiça. Na terça-feira, a primeira sessão da Assembléia Legislativa após as denúncias foi interrompida por uma tentativa de invasão do plenário pela população irada. Um manifestante jogou uma bomba de fabricação caseira. A polícia teve de dar tiros para o alto e recorrer a bombas de gás lacrimogêneo.

A censura à tevê foi derrubada e a pressão popular levou a Assembléia a abrir sindicância e afastar os sete envolvidos, mas a indignação é tal que nem isso impediu novas manifestações. Rondônia é o primeiro Estado da Federação onde o povo chamou a si o combate à corrupção. Já imaginou se a moda pega no resto do Brasil, hein?