Título: Boas razões para apoiar um carniceiro
Autor: AP, Reuters e AFP
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2005, Internacional, p. A10

Islam Karimov, presidente do Usbequistão, ferve as pessoas vivas. Por quê? Pela mesma razão que Saddam Hussein punha seus inimigos num triturador: porque na época ele podia. Quando o Ocidente é seu amigo você consegue, literalmente, safar-se de seus crimes. E que assassinatos! É uma surpresa que Karimov tenha tempo para governar, já que ele passa as manhãs pensando em novas maneiras de formular novos meios de aniquilar seus cidadãos. Água fervente, eletrocução, afogamento, estupro, espancamento, o Usbequistão de Karimov é o líder de mercado absoluto em tortura no momento.

A CIA não encontraria um refúgio melhor. Por isso, um misterioso jatinho Gulfstream 5 entrega rotineiramente terroristas afegãos lá para interrogatório. Craig Murray, ex-embaixador britânico, chamou atenção para isto no ano passado e o notável socialista Tony Blair agiu imediatamente. Ele o tirou da função. Os alertas de Murray estão ecoando mais alto do que nunca, hoje, entre de centenas de cadáveres nas ruas de Andijan. Soldados usbeques abriram fogo em uma multidão desarmada de manifestantes na sexta-feira e Jack Straw, secretário de Relações Exteriores, chamou isso de "claro abuso dos direitos humanos" - tá brincando, Sherlock!

Na prática, Karimov pode ser um déspota vil, sanguinário e maldoso, mas ele é o nosso déspota vil sanguinário e maldoso, então, como Saddam, ele pode ferver, picar e envenenar até cansarmos dele. Saddam estava no lugar certo, compartilhando nossa hostilidade em relação ao Irã na hora certa e então o armamos até os dentes em nome de uma causa.

Karimov, desprezível membro da hierarquia soviética regional, está sob outra bandeira da conveniência. Uma base americana, que Karimov permitiu que fosse instalada em Khanabad, hoje protege o oleoduto americano que transporta o petróleo da Ásia Central através do Afeganistão para o mar. Não é estranho que todos os nossos amigos tenham a mesma coisa em comum? No fim das contas, o Ocidente sempre acaba flertando com caras que estão mergulhados até o pescoço em petróleo.