Título: Uma nova mancha na reputação da mídia americana
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2005, Internacional, p. A11

O pedido de desculpas da Newsweek fez aos leitores, ao Pentágono e aos muçulmanos pela divulgação de um suposto ato de insulto ao Islã no interrogatório de prisioneiros na base de Guantánamo é mais uma mancha na reputação da grande imprensa dos EUA. O tropeço resume-se à não confirmação de uma informação divulgada pela revista, com atribuição a fonte oficial não identificada: a de que militares americanos teriam jogado uma cópia do Alcorão no vaso sanitário e dado descarga, para humilhar um ou mais presos. Embora tenha causado protestos com mortes em vários países, trata-se aparentemente de fato isolado e, nesse sentido, menos grave que a fabricação em série de reportagens por um jovem jornalista do New York Times, Jason Blair, que resultou na queda do diretor e do redator-chefe do mais influente jornal dos EUA e do mundo, em 2003. Na nota que divulgou, o diretor de redação da Newsweek, Mark Whitaker, deixa aberta a a porta para uma confirmação futura da informação apurada pelos experientes repórteres Michael Isikoff e John Barry e renegada posteriormente pela fonte original, provavelmente sob intensa pressão e de forma que não exclui totalmente a possibilidade de que o fato relatado tenha mesmo acontecido. Nesse sentido, o episódio parece ser menos sério que o uso de documentos forjados pela TV CBS numa reportagem divulgada no ano passado, em plena campanha eleitoral, sobre um fato provavelmente verdadeiro: a falta de pleno cumprimento por George W. Bush das obrigações com o serviço militar, no início dos ano 70. Neste caso, cinco produtores da divisão de jornalismo da CBS acabaram demitidos e o âncora Dan Rather foi forçado a antecipar seus planos para deixar o comando do principal noticiário da rede.

Nos últimos três anos, reportagens forjadas abalaram a reputação de outras publicações de renome, como a revista New Republic e o jornal USA Today. Ao mesmo tempo, o Washington Post e o New York Times fizeram mea-culpa por não terem sido mais insistentes na cobertura dos fatos que antecederam a invasão do Iraque e por terem dado maior destaque a informações sobre o suposto arsenal de destruição em massa de Saddam Hussein, que serviu para justificar a guerra, mas revelou-se inexistente.

Independentemente da seriedade do deslize da Newsweek, seu efeito imediato será o de mais uma derrota da grande imprensa e continuará a alimentar a perda de credibilidade que a mídia tradicional enfrenta hoje entre os americanos. Segundo um levantamento que o Pew Center for the People and the Press faz periodicamente há 20 anos, a proporção dos americanos que acham que a grande imprensa reporta os fatos corretamente caiu de 55% em 1985 para 36% hoje. A erosão da credibilidade da imprensa tem facilitado a estratégia do governo Bush de não reconhecer o papel tradicional dos grandes veículos da mídia como canais de comunicação entre governantes e a opinião pública e negar a importância que eles julgam ter.