Título: Faltam centros e médicos para atender idosos com Alzheimer
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2005, Vida &, p. A14

Três anos após o Ministério da Saúde determinar a criação de 74 centros de referência para atendimento à saúde do idoso, só 26 deles saíram do papel. E alguns dos que foram abertos não funcionam direito. "O tempo que leva para a pessoa ser atendida chega a dois, três meses", diz Liliam Alicke, presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz). O mal de Alzheimer é uma das principais doenças tratadas nos centros. As reclamações são ouvidas nos telefonemas que a Abraz recebe de portadores da doença de todo o País. A cada dia, são 30 ligações (0800-55-1906). Os médicos envolvidos com o mal e com os próprios centros também se queixam.

"Nosso centro, um dos melhores de São Paulo (da Universidade Federal de São Paulo), só consegue funcionar durante quatro períodos por semana", conta o neurologista Paulo Bertolucci, chefe da unidade da Unifesp. São eles: segunda-feira de manhã e à tarde, quinta de manhã e sexta de manhã. "Temos poucos médicos para fazer o acompanhamento do paciente como deveria ser. Nós retornos, a cada três meses, conferimos se o paciente está reagindo ao remédio. O certo seria fazê-lo passar por uma equipe de profissionais", diz Bertolucci. "Recebemos cerca de 600 pacientes por mês. Se não fizéssemos assim, o tempo de espera, que hoje é de cerca de 6 semanas, seria maior."

O assunto foi um dos temas discutidos no fim de semana, durante o 4.º Encontro das Regionais da Abraz (são 20 no total), com médicos e representantes do Ministério da Saúde, em São Paulo.

De acordo com a Abraz, são 1,2 milhão de portadores de Alzheimer no País. Só 2% têm acesso gratuito ao tratamento e aos medicamentos.

Em 2002, o Ministério da Saúde incluiu o atendimento e a distribuição de remédios para Alzheimer no Sistema Único de Saúde (SUS). Não só isso. Desde então, o portador da doença tem o direito de ser acompanhado por equipe multiprofissional (psiquiatra, neurologista, fisioterapeuta e fonoaudiólogo), além da orientação aos familiares. Nos centros de referência, eles devem ser diagnosticados e acompanhados de perto. Os medicamentos são fornecidos pelas farmácias de alto custo.

Guiomar Zenha Netto, de 67 anos, esperou dois meses para ser atendida, no centro de referência da Santa Casa de São Paulo. "Em 14 de março, quando minha mãe recebeu o diagnóstico do médico do convênio, começou a novela. Precisávamos do diagnóstico da rede pública para ter acesso aos remédios gratuitamente. Só conseguimos consulta em 9 de maio. E ela só vai conseguir pegar os remédios daqui a uns dias", conta o filho, Paulo Wagner Netto, que acompanha a mãe, com mal de Alzheimer, desde o início dos sintomas da doença.

O Ministério da Saúde é otimista. "O sistema não é ideal, mas o acesso a ele melhorou", diz Gessyane Paulino, coordenadora da Saúde do Idoso do ministério. De fato, o investimento do governo em remédios dobrou. "Em 2003, foram R$ 8 milhões. Em 2004, R$ 20 milhões", contabiliza Liliam. Não está nos planos da pasta investir em novos centros.

REFORMULAÇÃO

Os 26 centros em atividade atendem às normas da portaria 703, do Ministério da Saúde. Entre elas, ter capacidade de internação, assistência domiciliar, hospital-dia e laboratório de especialidade. No entanto, há centros de atendimento ao idoso no País que não se encaixam em algumas das exigências, mas que funcionam muito bem. Não existe um cálculo do total. No Estado de São Paulo, por exemplo, ficam abaixo de dez. De acordo com Gessyane, do Ministério da Saúde, o governo deve reformular o papel dos centros. "A portaria é muito dura. Vamos revisá-la para incluir os bons centros que hoje não são reconhecidos", diz ela. "Os pacientes não precisam ser internados nos centros, por exemplo. Existe hospital para isso."

O neurologista Bertolucci, da Unifesp, acredita que, mesmo se os 74 centros tivessem sido abertos pelo governo, dificilmente daria para atender todos os pacientes com Alzheimer. "Para dar conta, eles teriam de funcionar de segunda a sexta e atender, cada um, 40 pacientes por dia. Isso não é fácil. Uma consulta com um portador de Alzheimer não dura menos de uma hora."

O psiquiatra Orestes Forlenza, chefe do ambulatório de Alzheimer no Instituto de Psiquiatria do HC, concorda com o colega de profissão: "O programa do governo é louvável, mas ele tem de ser revisto em termos de quantidade. É difícil um paciente conseguir se cadastrar por causa do aumento brutal da demanda. Quanto mais alta a expectativa de vida, maior é a incidência da doença."

Em pessoas com menos de 65 anos, a incidência fica abaixo de 0,5%. Aos 75 anos, 1%. Aos 75, 2%. Aos 85, 10%. Quando não é tratada, o tempo médio de evolução é de 8 a 12 anos. A causa é uma combinação de três principais fatores: envelhecimento cerebral, alterações genéticas e ambientais (exposição a metais pesados, como alumínio). O que leva à doença é o excesso de produção no cérebro de uma proteína. "Ela já existe no cérebro, mas, por uma anormalidade metabólica desconhecida, passa a ser fabricada em grande quantidade."