Título: Saúde na Justiça pela pílula
Autor: Lígia Formenti, Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2005, Vida &, p. A14

O Ministério da Saúde ingressa hoje na Justiça Federal com uma ação civil pública contra a lei aprovada pela Câmara de São José dos Campos que proíbe a pílula do dia seguinte na rede pública da cidade. A distribuição dessa pílula, indicada para casos em que métodos contraceptivos usuais não foram usados de forma adequada, e ainda para o uso após um estupro, é feita pelo governo federal como parte da Política de Direitos Sexuais e Reprodutivos. "Queremos garantir o direito de todos ao acesso à pílula do dia seguinte. Há uma definição constitucional que indica que a elaboração de políticas de saúde é uma responsabilidade federal", afirmou o ministro da Saúde, Humberto Costa, que está em Genebra para a Assembléia Mundial da Saúde.

Membros do governo apontam a pressão da Igreja para obter a aprovação da lei municipal. Em nota divulgada ontem, o ministério lembra que o Brasil é um Estado laico. "O ministério entende que o cidadão brasileiro não pode ter o seu direito de acesso a essas políticas cerceado por decisões locais", diz. "Ainda mais quando se tratam de decisões que submetem as questões de saúde a outras de cunho moral ou religioso."

Segundo o ministro, o número de abortos em condições de insegurança hoje no País ainda é elevado. Entre abortos espontâneos e inseguros, o governo calcula uma média de 1,4 milhão por ano.

Embora seja aprovada por sociedades médicas, a pílula do dia seguinte ainda carrega o conceito de ser abortiva. Trata-se de "uma informação incorreta, há muito tempo desmentida", observou na semana passada, em Brasília, o secretário de Atenção à Saúde do ministério, Jorge Solla. A pílula apresenta alta concentração de hormônio que impede o processo de fixação do ovo no útero.

Também na nota de ontem, o ministério informa que, além de restabelecer a distribuição das pílulas em São José, a ação civil pública pode ajudar a inibir mobilizações políticas em outras cidades que resultem em proibições semelhantes.

Em São José dos Campos, o vereador Lino Bispo (PHS), autor do projeto que impede a distribuição da pílula, afirmou que ficou surpreso com a ação: "Eu não esperava que o ministério fosse tomar essa atitude, já que comprovadamente esse remédio faz mal à mulher." Ele informou que vai aguardar a notificação da Justiça para se inteirar ao teor da ação. "Só depois, vamos saber como recorrer."