Título: Avanço na OMC
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2005, Economia, p. B2

É melhor, mas há riscos. É a mensagem que ficou do primeiro dia de debates sobre os dez primeiros anos do Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em realização ontem e hoje em São Paulo.

Sábado, esta coluna apontara que o sistema de solução de controvérsias da OMC (tribunais que julgam disputas comerciais) é um avanço diante do que havia antes de 1994, ainda nos tempos do Acordo Geral de Comércio e Tarifas (GATT).

Como lembrou o embaixador uruguaio Julio Lacarte-Muró, um dos criadores do novo mecanismo, nada garantia, então, a prevalência da justiça comercial nas reclamações dos países pobres, porque as grandes potências respeitavam apenas o que lhes interessava e quase sempre impunham veto às decisões que apontavam soluções.

O ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia festeja os últimos dez anos por terem levado a pelo menos 27 decisões de grande envergadura que abriram caminho para o respeito aos direitos dos países pobres e firmaram jurisprudência.

O Brasil obteve em 1997 a vitória na sua primeira disputa contra os Estados Unidos, no caso da gasolina; também em 1997 venceu a briga sobre o comércio de coco ralado contra as Filipinas; em 2002, neutralizou os ataques da canadense Bombardier aos aviões da Embraer; em 2004 arrancou grande vitória na questão do algodão, contra os Estados Unidos; e, em abril passado, a decisão final na disputa contra os subsídios ao açúcar concedidos pela União Européia.

¿Enfim, foram vitórias espetaculares que demonstraram que um país de médio para pequeno em termos comerciais, como Brasil, conseguiu desafiar países grandes nas disputas comerciais, com enormes implicações políticas e comerciais.

¿ Mas Lampreia advertiu que os mecanismos da OMC não servem para resolver questões de varejo.

¿Devem ser reservados para questões sistêmicas.

¿ Ele faz duas críticas.

A primeira é a de que um processo na OMC demora demais.

Três ou quatro anos de imposição de barreiras unilaterais podem bastar para derrubar o mercado e prejudicar definitivamente um país.

A segunda, a de que ¿se jurisdicionalizou demais¿.

Transformou-se mais em assunto para advogados do que para diplomatas.

O chefe da Delegação Permanente do Brasil na OMC, em Genebra, Luiz Felipe Seixas Corrêa, concorda com Lampreia e adverte que a defesa de uma grande questão envolve escritórios internacionais de advocacia e ¿ficou cara demais¿.

Ninguém tem interesse em divulgar dados exatos, mas é voz corrente que os processos do algodão e do açúcar, que deram vitória ao Brasil, custaram mais de US$ 3 bilhões cada um.

Só foram adiante porque foram bancados por setores privados.

Isso mostra séria dificuldade de acesso ao mecanismo.

Países pobres não têm condições de enfrentar custos tão altos.

Seixas Corrêa fala também de ¿problemas de implementação¿.

Quando condenados, países ricos nem sempre mostram disposição para acatar as determinações, como já aconteceu em decisões contrárias aos Estados Unidos, cujo governo não está aceitando as decisões tomadas no caso da banana, no dos hormônios e nas implicações da Emenda Byrd.

Um grande número de políticos americanos também exige que seu governo não respeite as sentenças contrárias aos subsídios ao algodão.

Nesses casos, prevêem-se retaliações.

¿Nada mais contrário ao livre comércio do que a retaliação¿ ¿ observa Seixas Corrêa.

A consultora da Missão do Brasil junto à OMC, professora Vera Thorstensen, também bateu no ¿excesso de legalismo do sistema¿, que atropela os acordos políticos.

Ela parte do princípio de que o mais importante ¿não é absorver ou condenar um país, mas encontrar um acordo possível¿.

O que tem de ser perguntado é se, assim politizadas, as controvérsias não resvalam outra vez para questões de força, em que prevalece a vontade dos países ricos.