Título: Os trunfos ruíram
Autor: José Pastore
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2005, Economia, p. B2

Quando o Duda Mendonça mostrou na televisão a ¿Carteira de Trabalho do Primeiro Emprego¿, vi ali um dos maiores trunfos da campanha eleitoral de Lula. A promessa atingia em cheio uma legião de jovens, muitos dos quais já formados, que procuravam trabalho sem sucesso.

Lembrem que o desemprego era a maior preocupação das famílias brasileiras.

A propaganda era muito bem-feita.

Além de mostrar uma peça concreta (a nova Carteira de Trabalho), anunciava subsídios R$ 200 para os empregadores que viessem a admitir um jovem pela primeira vez.

Isso era atraente para os jovens e para os pequenos e microempresários, que têm enorme dificuldade para contratar empregados com 103,46% de despesas sobre o salário.

Era um enorme manancial de eleitores.

A propaganda na área do trabalho não se limitou aos jovens.

Para os idosos Lula garantiu dobrar o salário mínimo em termos reais ao longo de seu mandato.

Era uma outra peça publicitária de grande potência e que deve ter atingido milhões de aposentados e pensionistas que têm seus benefícios atrelados ao salário mínimo e seus dependentes e parentes próximos.

Um gigantesco celeiro de votos.

Com essas promessas, o candidato cobria as duas pontas do espectro demográfico: os jovens e os idosos.

Mas suas propostas não pararam aí.

Para os brasileiros em geral assegurou a criação de 10 milhões de empregos formais, com carteira assinada e todas as proteções oferecidas pela CLT e pela Previdência Social.

Outra peça de grande alcance publicitário.

Para quem conhecia a situação econômica do Brasil, era preciso ter muita coragem para fazer promessas desse tipo.

Lula teve.

E ganhou as eleições.

Passada a campanha, a dureza dos fatos mostrou o irrealismo dos planos.

No que tange ao Programa do Primeiro Emprego, de outubro de 2003 a abril de 2005 foram contratados apenas 3.

400 jovens.

Um número ridículo em face da meta inicial do programa, que era de 250 mil por ano.

Dos R$ 65 milhões destinados a subsidiar os empregadores em 2005, foram desembolsados apenas R$ 67 mil.

Dos R$ 29 milhões alocados para qualificar os jovens, foi empregado tão-somente R$ 1 milhão.

Números indefensáveis em face da aludida propaganda.

Quanto ao salário mínimo, o próprio governo reconheceu ser impossível dobrar o seu valor real em quatro anos.

Com os aumentos concedidos até aqui, o governo levará mais de 20 anos para cumprir a promessa.

O grande constrangimento está na Previdência Social, cujo déficit em 2005 chegará perto dos R$ 40 bilhões e crescerá ainda mais daqui para a frente.

Até o fim do mandato, o governo não conseguirá dobrar o salário mínimo sequer em termos nominais.

No que tange aos famosos 10 milhões de empregos, o próprio ministro do Trabalho declarou há duas semanas ser impossível cumprir essa meta, a menos que nela se incluam todos os trabalhos informais ¿ o que é muito diferente da mensagem publicitária que assegurava a criação de 10 milhões de empregos com carteira assinada.

Os três trunfos ruíram.

A única coisa que funcionou na área do trabalho foi a contratação de 114 mil funcionários públicos realizada pelo próprio governo federal, a maioria sem concurso (Boletim Estatístico do Pessoal, Ministério do Planejamento, in O Globo, 25/4).

Com o espantoso crescimento das despesas de pessoal, dos programas de assistência social e dos juros, o enorme superávit primário não é suficiente para o governo realizar os investimentos indispensáveis em infra-estrutura, que são a base dos empregos do futuro.

Os problemas no campo do trabalho continuam sérios.

O desemprego está perto dos 11%, a renda dos brasileiros caiu e a informalidade já atinge 60% dos que trabalham.

São cerca de 9 milhões de desempregados e 48 milhões de trabalhadores informais! Com a previsão de uma taxa de crescimento de apenas 3,5% para 2005, tais problemas tendem a se agravar, deteriorando ainda mais o quadro social e piorando a situação da violência e da criminalidade.

Em face de tamanho fiasco nas áreas do emprego e do salário, deve haver muita frustração entre os 53 milhões de eleitores que depositaram tantas esperanças no novo governo.

Ao mesmo tempo, os marqueteiros já devem estar formando um novo estoque de promessas para a próxima campanha eleitoral.

Será que o destino de nosso País estará sempre nas mãos dos propagandistas?