Título: Com outras prioridades, EUA põem Alca de lado
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2005, Economia, p. B6

Por iniciativa do governo americano, a reunião dos co-presidentes do projeto de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) prevista para esta quinta-feira, foi adiada, sem que nova data tenha sido marcada. De acordo com fontes oficiais, na sexta-feira, o vice-representante comercial dos Estados Unidos (USTR), Peter Allgeier, que comanda as negociações pelo lado americano, ligou para seu colega brasileiro, Adhemar Bahadian, para cancelar a reunião. Allgeier explicou que todas as energias da administração estão no momento voltadas para a difícil batalha da busca dos votos no Congresso para garantir a ratificação do Acordo de Livre Comércio com a América Central (Cafta, pelas iniciais em inglês).

O funcionário citou também, entre os fatores que tornam a Alca um tema não prioritário, no momento, a necessidade de avançar nas negociações da Rodada Doha da Organização Mundial de Comércio, bem como os esforços da administração para convencer os congressistas a prorrogar por mais dois anos a Autoridade de Promoção Comercial (TPA), ou seja, o mandato que permite ao Poder Executivo negociar acordos comerciais, sem risco de emendas. O Congresso precisa pronunciar-se sobre a renovação do TPA até o mês que vem.

A explicação americana mostra quão importante a aprovação do Cafta passou a ser para a preservação da política de comércio exterior do presidente Bush. A ex-ministra do Comércio Exterior Carla Hills afirmou na semana passada que uma rejeição do acordo com a América Central e a República Dominicana comprometeria não apenas a já moribunda Alca, mas poderia ameaçar a conclusão da própria Rodada Doha, prevista para 2006. Perguntada sobre as conseqüências da não aprovação do Cafta no Congresso, Hills afirmou: "Isso deixaria a política comercial dos EUA em frangalhos". Embora o sentimento dominante nos meios políticos em Washington seja o de que, no final, o acordo será ratificado, ele se baseia menos em cálculos numéricos do que no fato de o Congresso americano jamais ter deixado de validar um acordo comercial, pela razão apontada por Carla.

No entanto, a possibilidade da derrota do Cafta existe e ficou clara no final da semana passada, depois que uma visita dos presidentes centro-americanos e da República Dominicana a Washington, para fazer lobby pela ratificação do acordo, deixou de produzir os resultados esperados.

Com só um punhado de democratas dispostos a apoiar o tratado e sem os votos republicanos necessários na Câmara de Representantes, o governo mobilizou ontem o ex-chefe do USTR Robert Zoellick, hoje vice-secretário de Estado, para convencer os congressistas recalcitrantes.

Num discurso da Fundação Heritage, Zoellick disse que a rejeição do Cafta empurraria a América Central para uma situação de pobreza ainda maior e poderia levar mesmo a uma volta dos governos autocráticos na região. "As jovens democracias da América Central são frágeis e os velhos inimigos das reformas não desapareceram", afirmou Zoellick. "Se nos retrairmos no isolacionismo, Daniel Ortega (ex-presidente da Nicarágua), Hugo Chávez (presidente da Venezuela) e outros como eles - autocratas de esquerda e de direita - avançarão."

Zoellick fez uma advertência aos superprotegidos produtores de açúcar dos EUA, que formam, com os sindicatos, uma curiosa aliança de forças políticas para barrar o Cafta. Ele indicou que, opondo-se ao Cafta, os produtores de açúcar estão prejudicando outros interesses agrícolas e poderão perder o respaldo para manter as generosas proteções e os benefícios sob as quais operam, na próxima lei agrícola americana.

O vice-secretário de Estado advertiu também aos sindicatos que, sem o Cafta, os países centro-americanos não terão como enfrentar a competição da China, milhares de pessoas perderão seus empregos e se tornarão refugiados econômicos nos EUA, aumentando o problema da imigração ilegal e achatando salários.