Título: A turma que faz a noite dar certo
Autor: Andrea Vialli
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2005, Economia, p. B14

As microempresas do ramo de lazer e gastronomia enfrentam desafios como a sazonalidade do segmento, sujeito a modas e tendências, e a necessidade de renovação constante. Para sobreviver, as micros adotam uma estrutura de administração semelhante à de grandes empresas, nas quais os sócios têm papel fundamental. Além de possibilitar mais recursos financeiros, uma estrutura de vários sócios permite que as atribuições sejam divididas, como nos departamentos das grandes empresas. É o caso da Cia. Tradicional de Comércio, nome do grupo que administra os bares Original, Pirajá e Astor, em São Paulo. São cinco sócios que, juntos há dez anos, gerenciam também a recém-inaugurada Lanchonete da Cidade, e quatro pizzarias Bráz, onde entram mais seis parceiros. O Original, inaugurado em 1996, deu início à receita que foi mantida nos demais bares: estilo de botequim tradicional, com petiscos típicos brasileiros e ambiente descontraído.

O sócio proprietário Ricardo Garrido afirma que o modelo de sociedade funciona porque todos se envolvem diretamente na administração das casas. São quatro administradores e um engenheiro de formação, todos egressos de grandes empresas.

Antes de se dedicar aos negócios da noite, Garrido trabalhava na área de marketing e desenvolvimento de produtos da Unilever. "Nenhum dos sócios tinha experiência em administrar microempresas ou trabalhar com a noite", explica. O currículo em grandes empresas ajudou a desenhar a estrutura da gestão, onde cada sócio responde por um departamento. "Acabamos criando o nosso modelo e o nosso entendimento de como trabalhar nessa área", explica.

Garrido é responsável pelo gerenciamento operacional das casas. Os quatro demais sócios respondem pelas áreas administrativo-financeira; infra-estrutura, manutenção e equipamentos; marketing e divulgação; bebidas e alimentos. Um dos segredos do sucesso da sociedade é a dedicação full-time aos negócios. "Somos 100% focados. Ninguém aqui tem atividades paralelas", salienta. Cada uma das oito casas tem constituição de microempresa e, juntas, empregam 380 pessoas, a maior parte em atendimento direto ao público - ma¿tres, garçons e recepcionistas.

A maior dificuldade, segundo Garrido, é lidar com o dinamismo dessa área e continuar sendo relevante, mesmo com as mudanças de preferência do público. "É uma área em que se lida com a moda, a sazonalidade, a mudança de gosto e de tendências", explica Garrido. "Por isso, é preciso ter um produto sólido e flexível ao mesmo tempo", completa. Segundo ele, o grupo investe no binômio simplicidade-qualidade. As casas mantém uma atmosfera simples, com referências ao passado e à cultura brasileira. A Lanchonete da Cidade, inaugurada no final do ano passado, é uma homenagem às primeiras lanchonetes surgidas no Brasil, na década de 1960. A bossa nova domina a trilha sonora.

Em arranjo semelhante, o mesmo número de sócios - cinco - está a frente da administração do Azucar, casa noturna de inspiração latino/cubana há cinco anos em funcionamento no Itaim Bibi, região sul paulistana.

De acordo com Georges Henri Foz, um dos sócios, o segredo da longevidade da casa é a gestão profissionalizada e a busca pela excelência em qualidade. "Há muito amadorismo na noite", diz. "A dedicação precisa ser total. Para conseguir um público fiel, o serviço tem que estar afinadíssimo e evoluir junto com o cliente", ensina.

Foz é publicitário e já trabalhou em grandes agências, como a DPZ, e trouxe o know-how para os novos negócios. Está na noite há 20 anos e foi proprietário do Columbia, casa noturna que inaugurou o cenário da música eletrônica e clubber no início dos anos 1990 em São Paulo e chegava a reunir 1.200 pessoas por noite. Resolveu investir em um bar com temática latina justamente para fazer um contraponto ao domínio da batida eletrônica. "Hoje trabalhamos com outro público, mais adulto, com maior poder aquisitivo e mais exigente quanto ao atendimento", diz. A casa emprega 26 funcionários próprios e outros 26 terceirizados, entre seguranças e manobristas.

CAPITALISTAS

Outro arranjo comum na noite são as estruturas com vários sócios, sendo que a maior parte deles não se ocupa diretamente da gestão das casas noturnas. Seu papel é aportar recursos nos projetos. Embora controverso, esse tipo de sociedade foi escolhido pelo grupo que administra os bares Penélope e Maevva e as danceterias E-Muzik e Thai, todos localizados na Vila Olímpia, hoje um dos pontos mais movimentados da noite paulistana.

Atualmente são 40 sócios, na faixa etária de 25 a 30 anos, que investem nas casas de acordo com um sistema de cotas. Cerca de dois ou três se encarregam da administração de cada uma das casas, mas as decisões em relação a investimentos são tomadas em conjunto, em uma espécie de conselho. A casa que demandou mais investimentos foi a E-Muzik, inaugurada em julho do ano passado. Foram R$ 1,5 milhão investidos em diferenciais tecnológicos, como um sistema eletrônico de identificação de acesso aos camarotes.

"O segredo do sucesso é investir em propostas diferenciadas", explica Alessandro Lopes, um dos sócios do grupo e que responde pelo marketing do bar Penélope. No Maevva, que é bar e restaurante, predomina a música pop-rock. O Penélope investe em black music e no revival dos anos 1980, com shows de artistas pop como Léo Jaime. A E-Muzik toca as tendências mais vanguarda da música eletrônica e a Thai aposta na dance music comercial, tocada nas FMs.