Título: Deficientes rejeitam estatuto
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/05/2005, Vida &, p. A18

No ano 2000, começou a tramitar no Congresso Nacional um projeto de lei para a criação do Estatuto do Portador de Necessidades Especiais, um código com o objetivo de garantir aos quase 25 milhões de deficientes brasileiros (14,5% da população, segundo o Censo de 2000) "integração social" e "pleno exercício de seus direitos". Hoje, cinco anos depois, quando finalmente está prestes a ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados, o estatuto virou alvo de ataques. E, aparente contradição, os mais fortes partem justamente daqueles que deveriam ser os beneficiários da nova lei: os deficientes. Entre muitas críticas, a principal é a de que o estatuto não traz nenhuma inovação à legislação que já existe. Pelo contrário, chega-se a apontar no texto retrocesso nos direitos conquistados pelos deficientes físicos, mentais, visuais, auditivos ou múltiplos.

"Já temos leis muito avançadas. Por que debater uma legislação que já existe? Precisamos discutir formas para que ela seja cumprida", diz a fonoaudióloga Naira Rodrigues Gaspar, que é deficiente visual e cuida do setor de reabilitação do Hospital Guilherme Álvaro, de Santos (SP).

Entre as normas a que ela se refere está um decreto do final do ano passado, que obriga cidades, prédios e meios públicos de transporte a terem adaptações para os deficientes. O prazo para que as exigências entrem em vigor ainda não se esgotou, mas o governo federal parece não fazer questão de se adiantar. No mês passado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) concedeu um financiamento de mais de R$ 4 milhões a uma fábrica de ônibus sem exigir que os veículos fossem adaptados.

Se depender do estatuto que tramita no Congresso, a situação não deve mudar. Em mais de dez páginas, não há nenhuma referência a "penalidade", "advertência" ou "multa". Ao contrário do Estatuto do Idoso, em vigor desde 2003, que prevê até o fechamento de instituições que descumprirem a lei no atendimento dos idosos.

O texto é pontuado por expressões genéricas. Na parte dedicada à saúde, diz que os deficientes terão "tratamento adequado e especializado" e "acesso garantido aos estabelecimentos de saúde públicos e privados". Na educação, afirma que o ensino especial é um processo "flexível, dinâmico e individualizado, oferecido principalmente nos níveis de ensino considerados obrigatórios". Há detalhamentos isolados, como a reserva de "2% das vagas de estacionamento" e "pelo menos um dos acessos ao interior da edificação livre de barreiras arquitetônicas".

LAZER E CULTURA

Um dos parlamentares mais preocupados com o código que vai sair do Congresso é o deputado Leonardo Mattos (PV-MG), presidente da comissão especial que trata do projeto. Ele sofreu um acidente em 1977, quando tinha 22 anos. Desde então, precisa de cadeira de rodas para se locomover.

Sua principal queixa é em relação ao lazer: "Deficiente pode trabalhar, mas não pode se divertir. O acesso aos clubes é terrível. Às praias, pior ainda. Aviões e ônibus ignoram os deficientes. É uma desconsideração imensa."

Ele lembra que o texto não dá destaque a essa questão. Separa um capítulo só para a saúde, outro para a educação e um para o trabalho. Cultura, esporte, turismo e lazer, por sua vez, estão todos sob um capítulo de três artigos.

Os problemas devem ser corrigidos só depois de muita discussão, sugere a procuradora da República Eugênia Fávero. "Não é como o Estatuto do Idoso, que partiu do zero. Os deficientes já têm leis. Temos de ir devagar para que direitos não sejam perdidos", afirma ela, mãe de uma criança com Síndrome de Down.

Apesar de serem consideradas avançadíssimas, as normas brasileiras estão esparsas. A que concede impostos mais baixos na compra de carros adaptados, por exemplo, está na lei da renegociação das dívidas de Estados e municípios. "Precisamos ter uma consolidação das leis. O estatuto deve se prestar a isso", diz Ednir Alves Veludo, que coordena a área do PT dedicada aos deficientes.

Nem mesmo o nome do estatuto é poupado. Segundo a jornalista Regina Atalla, membro do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade), vinculado à Presidência da República, "portador de necessidades especiais" é uma expressão usada em educação para designar os deficientes mentais. "O conselho é contra esse estatuto. Ele inteiro, a começar pelo título, é execrável."