Título: A reforma universitária alhures
Autor: Claudio de Moura Castro
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/05/2005, Espaço Aberto, p. A2

O MEC anunciou a sua 'reforma universitária', com foros de redenção do ensino brasileiro. Muitos neurônios se mobilizaram para discutir seus méritos e suas falhas. Mas, já que se discutem mudanças, é sempre bom ver o que andam fazendo países cujo desempenho merece atenção. Tomemos dois, Chile e Coréia. O desempenho econômico da Coréia não requer maiores comentários e os avanços de sua educação são sempre citados como exemplos de crescimento rápido e com qualidade. O Chile vem apresentando o melhor desempenho econômico do continente e não há outro país no Hemisfério com um marco regulatório do ensino superior tão bem pensado e estruturado. Vejamos, então, o que andam ruminando, como passos adicionais na sua educação superior. A Coréia anuncia uma boa lista de mudanças. Algumas não nos interessam, pois refletem uma transição demográfica (queda de natalidade) que requer acionar os freios no seu sistema universitário. Mas há outras mudanças que nos deveriam interessar mais. Cada universidade privada coreana que se engajar ativamente nas reformas propostas pelo governo receberá recursos adicionais de US$ 2 milhões a US$ 8 milhões. Receberá também incentivos fiscais e uma burocracia simplificada para receber estudantes estrangeiros. É curioso: um país até há pouco tempo acusado de autoritarismo usa incentivos monetários para estimular reformas no sistema privado. Entre nós, o governo prefere voltar às medidas autoritárias do passado para conseguir que mudem as instituições privadas. Contrastando ainda mais, nas instituições públicas, as quais tem a responsabilidade constitucional de conduzir, usa os incentivos monetários para convencê-las a mudar. Não deveria ser o oposto? O governo coreano anuncia também que dobrará o orçamento do programa 'Brain Korea 21', alocando nele US$ 400 milhões. O objetivo é aumentar o número de publicações internacionais reconhecidas e empurrar energicamente as universidades para que estabeleçam vínculos com outras americanas e de outros países. Pretende também aumentar o intercâmbio de alunos e professores entre universidades coreanas e americanas. No passado, 24 mil estudantes foram estudar nos Estados Unidos e 2.500 cientistas estrangeiros visitaram o país, apoiados por esse programa. Há, todavia, uma meta ainda mais ambiciosa: o governo pretende usar uma boa parte desses recursos para transformar 15 instituições em universidades de padrão internacional.

Por que será que os coreanos estão querendo atrair os estrangeiros para o país e nós estamos tentando espantá-los? Por que aqui, na roça, não se fala em atingir padrões universitários internacionais? Joaquín Brunner é o grande guru da educação superior chilena. Há rumores de que será o futuro ministro da Educação, num governo de centro-esquerda. Recentemente, produziu um relatório propondo uma nova série de mudanças no sistema. Diante do crescimento acelerado das universidades privadas com fim de lucro, sua proposta é simplesmente obrigálas a divulgar publicamente seus balanços e suas operações.

Ou seja, antes de tomar qualquer atitude, quer conhecer melhor o seu funcionamento. Considerando que o ensino superior gera benefícios para o país, há boas razões para que o governo financie parte de suas atividades, seja nas instituições públicas, seja nas instituições privadas. Mas, como há fortes retornos para quem recebe mais educação, não há razões para um financiamento integral dos estudos. Contudo, há muitos que não podem pagar. Uma das principais mudanças deverá ser o apoio com crédito educativo para todos os alunos que não puderem arcar com as mensalidades cobradas. Os fundos seriam obtidos no mercado financeiro, com garantia do Estado (para reduzir os juros). E a amortização, baseada nos rendimentos de cada aluno após se formar e entrar no mercado de trabalho, não devendo ultrapassar 10% do seu rendimento.

Não se trata aqui apenas de uma proposta para alunos carentes, mas de um mecanismo principal de financiar o ensino superior, público e privado, substituindo outros mecanismos hoje existentes. Uma das políticas a serem mais claramente incentivadas no novo marco regulatório chileno é a diversificação do sistema superior. Algumas instituições estarão voltadas para a formação de elites; outras, para a produção de técnicos e profissionais. Umas serão altamente seletivas; outras, de acesso fácil. As carreiras curtas serão fortemente estimuladas (corrigindo a principal falha da legislação anterior). De fato, não pode haver uma fórmula única para o ensino superior. Infelizmente, continuamos atolados na miragem da 'indissociabilidade do ensino e da pesquisa', própria apenas para uma ínfima parcela do superior. No sistema chileno presente, as instituições recebem um prêmio orçamentário quando conseguem atrair alunos de mais alto desempenho. Na sua nova versão, os prêmios seriam maiores quando esses alunos fossem egressos de escolas públicas ou subsidiadas.

Nas políticas de apoio à pesquisa, propôs-se a criação de um organismo formado pelo governo, pelas empresas e pelas universidades. Sua função seria alocar fundos de pesquisa de acordo com certas prioridades. A pesquisa seria orientada para ajudar os setores mais competitivos da economia chilena e para estudos que possam ajudar a formular políticas públicas, sobretudo em assuntos de pobreza, educação e família. Notemos que no Brasil as empresas têm reduzida participação em tais organismos. É curioso notar que as idéias de Brunner cairiam como uma luva para o Brasil. Com pouquíssimas adaptações, poderiam transformar-se numa proposta para a nossa reforma do ensino superior. De minha modesta perspectiva de observador do panorama educacional brasileiro, de bom grado trocaria as propostas que aqui circulam pelas de Joaquín Brunner.