Título: Papa está 'distante do estereótipo de grande inquisidor'
Autor: Maria Paz Lopez
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/05/2005, Vida &, p. A18

VIDA& O ESTADO DE S.PAULO Quinta-feira, 19 de Maio de 2005 Papa está 'distante do estereótipo de grande inquisidor' Quem diz é o escritor e jornalista Vittorio Messori, autor de um livro de entrevistas com Joseph Ratzinger

Maria Paz Lopez La Vanguardia ROMA

O escritor e jornalista italiano Vittorio Messori, conhecido pelo livro Transpondo o Umbral da Esperança, um volume de entrevistas com João Paulo II, é autor de outra obra do mesmo gênero. Em A Fé em Crise?(editora EPU, 116 págs., R$ 20,70), o entrevistado foi o então cardeal Joseph Ratzinger, hoje papa Bento XVI. Aos 64 anos, Messori, um católico praticante, afirma, em uma entrevista por telefone, que Bento XVI foi tachado injustamente de conservador, obscurantista e reacionário. Já se passaram 21 anos desde que o sr. entrevistou o então cardeal Ratzinger. Que diferença o sr. vê entre o estilo dele naquela época e o atual?

De teólogo e controlador, Joseph Ratzinger vai se transformando em padre. No Santo Ofício tinha de se fazer de carabiniere, o que lhe custava muito, porque é um professor. Agora, sua função pastoral é muito diferente, mais aberta e livre. Ele tem sido retratado impropriamente como um panzerkardinal (cardeal panzer; em alemão, tanque de guerra). Na verdade, é um dos homens mais tímidos que conheço, distante do estereótipo do grande inquisidor.

O livro A Fé em Crise? traz à tona idéias de Joseph Ratzinger muito criticadas por setores liberais. O sr. também foi alvo de críticas. Persiste essa tensão entre as duas Igrejas?

Não apenas recebi críticas, mas também ameaças. Quando escrevi o livro, ainda existia na Igreja a contestação das esquerdas. Havia um grande caos, porque se pensava que o Concílio Vaticano II tinha sido uma ruptura, o início de uma nova Igreja. No entanto, João Paulo II e Joseph Ratzinger estavam convencidos, e com razão, que se tratava de uma continuidade .

Foi por isso que Ratzinger concordou em recebê-lo?

Com esse livro foi rompido um tabu. Foi a primeira vez que um prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé concordou em falar com um jornalista, mas o grande impacto foi que Ratzinger dizia algo que parecia reacionário. Dizia que o católico deve adaptar-se ao espírito novo do Concílio Vaticano II, mas ao mesmo tempo não deve renegar a tradição. Portanto falava de inferno, purgatório, paraíso, anjos da guarda. Houve um grande alvoroço e Ratzinger foi considerado um cardeal restaurador e eu, o jornalista que o havia entrevistado, fui ameaçado de morte por sacerdotes e teólogos.

Nas homilias de Bento XVI percebe-se a preocupação com o relativismo ético, assunto muito ligado à Europa. O que sentirão os católicos de outros continentes que têm necessidades pastorais de outro tipo?

Se você está falando da América Latina, temos de dizer aos latino-americanos que se acalmem. Já vimos no que resultou a Teologia da Libertação. Que se calem os teólogos, porque demora para se perceber que não é o povo que protesta e sim os teólogos. A fé é a mesma em todos os lugares. Ratzinger sempre defendeu a ortodoxia da fé e isso é válido para a Coréia, a Argentina e a Holanda. Não existe uma fé diferente, há maneiras de encarná-la. Não podemos julgá-lo rapidamente.