Título: Cresce a informalidade
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/05/2005, Editoriais, p. A3

A pesquisa feita pelo IBGE sobre a informalidade e as chamadas transações não registradas revela a que ponto chegou o descompasso entre a estrutura legal que regula a atividade econômica e as relações de trabalho e as necessidades da sociedade. Houve um tempo em que se afirmava que o crescimento da atividade informal correspondia ao crescimento do desemprego. Pode ser que sim. Na década de 90, a taxa de desemprego oscilou entre 11% e 12% e a informalidade passou de 40% da população economicamente ativa para 55%. Mas agora os números indicam que os índices de desemprego e de informalidade descolaram um do outro. Entre 1997 e 2003, como mostra a pesquisa do IBGE, a população ocupada cresceu 4%, mas a quantidade de trabalhadores informais cresceu 8%. O número de empresas informais acompanhou a tendência da ocupação, crescendo 9,1% no período. Para cada empresa formal existente no País, em 2003 havia duas empresas informais. Esse dado, porém, não confirma a informação amplamente difundida de que a economia subterrânea equivaleria a cerca de metade da economia formal. Na verdade, nas empresas informais, houve uma queda de faturamento mensal da ordem de 12,35% entre 1997 e 2003, o que reduziu a sua participação no PIB de 8% para algo em torno de 6%. Consideradas as transações não registradas e a informalidade propriamente dita, a economia subterrânea brasileira corresponde a 12,79% do PIB, conforme revela a pesquisa do IBGE.

De qualquer forma, é impressionante a participação das empresas informais na economia brasileira. À margem das leis e regulamentos, funciona uma economia que gera, anualmente, o equivalente ao PIB do Chile, país que é sempre apontado como exemplo de dinamismo entre os emergentes. A queda de faturamento das empresas informais é atribuída pelos técnicos à saturação do mercado. Existem hoje, no Brasil, cerca de 10,3 milhões de empresas informais. Durante anos, elas concorreram com as empresas do setor formal, tendo a vantagem de não ter de acrescentar a seus custos a maior parte da carga tributária e os encargos trabalhistas e previdenciários. Agora, as empresas informais concorrem também entre si, o que explicaria a queda de faturamento e também da renda dos trabalhadores do setor.

E os efeitos da saturação não param aí. Em 1977, 93% das empresas informais eram lucrativas, contra 73% em 2003. E o lucro médio das empresas lucrativas caiu 6,75% no período, de R$ 977 para R$ 911. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) constata que a informalidade é um fenômeno mundial.

Nos países da América Latina, 60% dos trabalhadores estão no mercado informal, que cresce à razão de 3,9% ao ano, enquanto o formal aumenta 2,1%. No Brasil, como se viu no período pesquisado pelo IBGE, o crescimento da informalidade é mais acentuado do que no restante da região. Esse não é um sinal de que o brasileiro é mais empreendedor do que os habitantes dos outros países da região e, sim, de que as condições para o trabalho formal e o desenvolvimento da iniciativa individual são cada vez mais precárias. Afinal, são ilusórias muitas das chamadas vantagens da informalidade.

Os trabalhadores do setor informal, como mostrou a pesquisa do IBGE, trabalham mais horas e têm rendimentos menores que os do setor formal. Além disso, são poucos os que contam com cobertura previdenciária. Entre os proprietários do setor informal, 76% não contribuem para o INSS, ou porque consideram a contribuição muito cara ou porque desconhecem as regras de aposentadoria. Dos trabalhadores por conta própria, só 18% dos homens e 21% das mulheres contribuem. No entanto, no final de suas vidas úteis, todos os trabalhadores informais que não contribuem terão direito à aposentadoria básica da Previdência - o que aumenta substancialmente um déficit já crônico que é o fator individual mais importante de desequilíbrio das contas públicas. As medidas adotadas nos últimos anos para atrair os trabalhadores informais para a Previdência não produziram os resultados esperados. O governo não dá sinais de que promoverá a necessária reforma das leis trabalhistas, garantindo direitos básicos, mas flexibilizando as relações de trabalho para estimular o emprego formal. E, com isso, cresce a informalidade.