Título: Desmatamento assusta
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/05/2005, Editoriais, p. A3

O simples fato de a taxa de desmatamento da Amazônia, no período compreendido entre agosto de 2003 e agosto de 2004, ter sido três vezes maior do que a prevista pelo governo - pois a expectativa da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, era de que o aumento fosse de 2%, em relação ao ano anterior, quando na realidade chegou a 6,23% - já demonstra o fracasso do governo Lula, na área do Meio Ambiente. É como se uma inflação projetada de 5% tivesse ultrapassado os 15%. Que avaliação se faria de uma política econômica desse jaez? A área desmatada em apenas um ano - 26.130 km², segundo dados oficiais do governo, o que corresponde ao tamanho do Estado de Alagoas - pode ser vista em impressionantes fotografias aéreas, que mostram extensos rasgos na floresta, a atestarem a ineficácia das ações governamentais no combate à devastação, tais como as relatadas pela ministra: o aumento nas infrações cadastradas, a maior apreensão de madeira ilegal, a instalação das bases de operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em conjunto com Polícia Federal, Exército e Ministério do Trabalho e outras medidas. Como se explica que essas providências em favor do Meio Ambiente tenham obtido resultados tão parcos, a ponto de o índice de desmatamento do período ser o segundo mais alto da história - desde o ano de 1988, quando começaram esses levantamentos - só superado pelo do período 1994/1995?

Alguma coisa - ou, talvez, muita coisa - não tem funcionado na gestão da ministra Marina Silva, notadamente no campo da fiscalização e da repressão à exploração ilegal da mata, em especial nos Estados de Mato Grosso e Rondônia, a ponto de não se prever a reversão de um quadro de devastação que já atinge 680 mil km². As explicações da ministra, associando o aumento da devastação ao do desenvolvimento econômico, uma vez que nosso crescimento no período indicado foi da ordem de 5%, podem ter o efeito de estimular as posições dos que não acreditam muito em desenvolvimento sustentável e consideram o ambientalismo um entrave ao desenvolvimento. Por outro lado, dizer que existe a má consciência de consumidores de outros países, que se permitem ser abastecidos com madeira ilegalmente extraída da região amazônica, é apenas uma meia verdade - pois, se isso sempre ocorreu, por que o fenômeno aumentou de intensidade, justamente quando o governo do País põe em vigor um Plano de Controle de Prevenção e Desmatamento? A resposta é uma só: porque todos os planos deste governo, fora da área econômica, ficam no papel ou no discurso.

Ao justificar o abandono da base governista pelo Partido Verde (PV), o deputado Fernando Gabeira (RJ) disse que 'o governo Lula representa um retrocesso na política ambiental brasileira', que há não 'uma gota d´água', mas 'um oceano' de razões para a ruptura - semelhante à enorme faixa de quilômetros quadrados devastados - e que existem índices comprovando que 'o desmatamento é muito maior' do que o oficialmente divulgado. É verdade que, independentemente da razão que tenham ou não, em relação a esses outros itens, os deputados do PV também estão contrariados com o governo Lula em razão da importação de pneus usados, do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco para a região do semi-árido nordestino, a legalização do plantio e comercialização de transgênicos, a morte por desnutrição de 38 crianças guarani-caiovás, a retomada das obras da Usina Nuclear de Angra 3, etc.

Deixando-se de lado as eventuais divergências ideológicas ou doutrinárias entre titulares ou altos escalões das Pastas ministeriais, no que concerne à política de meio ambiente - e até as pedras da Esplanada dos Ministérios sabem que tais divergências existem, e são fortes -, há que se questionar, antes de tudo, a capacidade de a ministra articular os organismos de fiscalização e repressão do Estado, tendo em vista fazer cumprir as leis de proteção ao meio ambiente. Pois, não conseguindo impor a exigência preliminar de respeito à lei, dificilmente o Poder Público obterá, da sociedade como um todo, uma colaboração consistente na preservação indispensável de bens da natureza - em favor da sobrevivência, nossa e de nossas futuras gerações.