Título: Ainda não foi desta vez
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/05/2005, Economia, p. B2

As reações do mercado à decisão do Copom de aumentar mais uma vez os juros, desta vez em 0,25 ponto porcentual, mostram que o Banco Central não tem como escapar das críticas. Ou vão dizer, como disseram, que continua retranqueiro ou, como também disseram, que o efeito colateral do remédio continua fazendo mais estragos do que a doença.

E, no entanto, até agora, o Banco Central esteve mais certo do que o resto do mercado, especialmente quando denunciou, desde setembro do ano passado, a formação de pressões inflacionárias perigosas. Ele nem sequer esteve sozinho nisso. Grande parte dos agentes econômicos argumentava, ainda no ano passado, que a meta deste ano ficara alta demais. Portanto, também tinha identificado impulsos inflacionários fortes.

Além disso, apesar de juros a 19,5% ao ano, a inflação em 12 meses, pelo IPCA, está em 8,07%, o que explica as preocupações.

Isto posto, o Banco Central tinha mesmo de fazer o que vem fazendo. Ele está lá para puxar os juros sempre que a inflação saltar para fora da meta. O argumento, que já tem quase seis meses, de que os juros na lua estavam suficientemente elevados para corrigir o desvio não se sustenta porque até agora o IPCA só vem subindo.

Mas cabe discutir duas outras questões: se não seria necessário puxar a meta de inflação para níveis "mais realistas"; e se, diante da falta de resultados, a política de metas de inflação não tem de ser revista ou "aperfeiçoada".

No ano passado, a inflação medida pelo IPCA foi de 7,4%. Admitir que a meta deste ano devesse ser fixada mais próxima desse número seria meter fogo na gasolina. Ou, como vem argumentando o ministro da Fazenda Antonio Palocci, seria admitir que a probabilidade de que a inflação salte para os dois dígitos seria muito alta.

O que se pode é discutir a eficácia da política de metas de inflação no Brasil, onde o sistema de reajuste dos preços administrados, que pesa cerca de 29% na estrutura de preços ao consumidor, é rígido demais, não reage a juros e normalmente realimenta a inflação.

Muita gente tem dito que oito meses de altas ininterruptas de juros não baixaram a inflação e que isso seria prova de ineficiência da política. Antes de fazer essa afirmação, é preciso imaginar para onde teria ido a inflação se os juros não tivessem subido o que subiram. Em todo caso, não basta criticar o sistema; é preciso arranjar algo melhor para colocar em seu lugar - e aí as sugestões são de uma pobreza assustadora. Pregar a volta das mágicas adotadas entre 1975 e 1994 é insanidade. Isso, sim, provou que não funciona.

Convém discutir, ainda, se não é a própria política fiscal do governo federal que não está provocando pressões de demanda numa economia que já vem sendo pressionada por exportações que crescem a um ritmo de 30% ao ano. A verdade é que não são só as despesas públicas não financeiras que têm saltado três vezes mais do que o crescimento do PIB. Também o crédito ao consumidor e ao setor produtivo vem avançando, contribuindo assim para puxar os preços. No período de 12 meses terminado em abril, o crédito com recursos livres cresceu 24,9%.

Os dados sobre a inflação são contraditórios. O IPCA de abril veio carregado, com avanço de 0,87% sobre o mês anterior. O IGP-10, Índice Geral de Preços, que mede inflação no período do dia 10 de um mês a 10 do mês seguinte, apontou inflação de zero por cento. A maior diferença entre esses índices é que o IPCA mede inflação no varejo e o IGP contém 60% de preços no atacado.

Quando os preços no atacado sobem mais do que no varejo, costuma-se dizer que o IGP está grávido de inflação futura, porque a situação no atacado tende a transferir-se para o varejo. Agora que está ocorrendo o contrário, talvez se possa dizer, também, que o IGP está se esvaziando de inflação futura. Infelizmente, as coisas não são tão automáticas.