Título: Proteínas contra o 'Schistosoma'
Autor: Eduardo Kattah
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/05/2005, Vida&, p. A12

No Brasil, ela ganhou denominações populares como barriga d'água, xistosa, xistosomose ou doença do caramujo. Verminose quase sempre associada ao saneamento inadequado, a esquistossomose ainda é considerada uma doença endêmica, que infecta milhões de pessoas em diversas regiões do País. Mas pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) deram um passo importante na corrida pela composição de uma inédita vacina e um novo método de diagnóstico. A partir do seqüenciamento do código genético do Schistosoma mansoni, o agente causador da doença no Brasil, eles selecionaram proteínas que ativam o sistema imunológico dos indivíduos infectados. A maior esperança de desenvolvimento de uma inédita vacina num futuro próximo foi batizada de Sm-29 (Schistosoma mansoni-29). A proteína está presente na membrana do parasita e pode ser sintetizada em larga escala.

Os estudos começaram há três anos, com a Rede Genoma de Minas Gerais, formada por nove instituições de pesquisa, envolvidas na compilação e análise da seqüência dos dados do DNA do parasita. Com os resultados, há cerca de um ano e meio a pesquisadora Fernanda Caldas Cardoso - orientada pelo professor Sérgio Costa Oliveira, coordenador do Laboratório de Doenças Infecciosas (Lidi) da UFMG - passou a decifrar os genes do Schistosoma mansoni e selecionar as proteínas eficazes no combate à enfermidade.

"São moléculas novas que têm um potencial grande na composição dessa vacina. São moléculas que não haviam sido identificadas por nenhum outro grupo no mundo", comemora a cientista, cujos estudos fazem parte de sua tese de doutorado.

MEMBRANA

Ela chegou à conclusão que as proteínas de membranas do parasita, ou glicoproteínas, são mais bem reconhecidas pelo sistema imunológico do homem. Selecionou cerca de 15 delas. "A que teve mais sucesso até agora foi a Sm29", afirma Fernanda, ressaltando a possibilidade de a molécula ser produzida em grande quantidade. "Temos outras proteínas que selecionamos no Projeto Genoma, mas não conseguimos produzi-las. Não adianta ser só boa, é preciso que seja possível produzi-la em larga escala", explica.

Segundo Oliveira, a constatação de que a Sm29 reage com componentes do sistema imunológico ocorreu quando com a sorologia de pacientes. "O resultado utilizando anticorpos de pacientes resistentes à doença, que vivem em áreas endêmicas, sugere que essa é uma proteína importante na indução de proteção."

Atualmente, a pesquisa - que conta com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) - está na fase de testes com animais. Divididos em grupos experimentais, os camundongos são vacinados com a proteína e depois infectados com a cercária (larva do parasita). Após 45 dias, eles serão sacrificados para que se verifique se houve redução de vermes na região hepática.

Costa calcula que em cerca de dois anos poderão ser iniciados testes com seres humanos. "A idéia de uma vacina contra um parasita tão grande, com certeza, não vai ser com apenas uma proteína. Na realidade, um coquetel de proteínas que vai tentar induzir uma proteção eficaz ao hospedeiro", afirma o coordenador.

O tratamento da esquistossomose hoje é à base de medicamento, que elimina o Schistosoma mansoni do organismo, mas não impede que a pessoa seja infectada novamente. Além disso, já existem hoje parasitas resistentes à droga. "Ele trata uma vez, mas se a pessoa se infecta com uma variante do parasita, o medicamento não é tão eficaz", salienta Costa.

Para Fernanda, a combinação de uma eventual vacina e o tratamento atualmente prescrito - à base da substância praziquantel - poderá com o tempo erradicar a ocorrência da doença. "Se a gente conseguir obter dados relevantes em um modelo experimental, inicialmente com essas proteínas, nós vamos estar na frente de outros países que possuem mais recursos e condições tecnológicas."