Título: Juro alto faz comércio esticar prazos
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/05/2005, Economia, p. B1

O comércio decidiu rebater as sucessivas altas do juro básico da economia, hoje em 19,75%, após subir pelo nono mês consecutivo, esticando prazos de financiamento. A intenção é atenuar a desaceleração no ritmo de crescimento das vendas já captado por vários indicadores e não assustar o consumidor com uma alta abrupta do juro. Crediários de móveis e de eletrodomésticos ganharam recentemente fôlego extra de até seis meses nas grandes redes varejistas. Nos bens de maior valor, como carros, o crediário foi alongado em até 12 meses e é possível comprar um veículo para pagar em cinco anos. Nos móveis, o prazo máximo chega a dois anos.

Pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) mostra que os prazos começaram a aumentar exatamente após o início da fase de alta dos juros básicos, que subiram 3,5 pontos porcentuais desde setembro. Dois meses depois do início do ciclo de elevação da Selic, o prazo máximo do financiamento de carros atingiu 60 meses, maior marca desde março de 2001. Antes, o período máximo ficou em 48 meses por mais de dois anos.

No caso de outros bens, como eletrodomésticos e eletrônicos, os prazos médios começaram a aumentar em fevereiro, passando de 12 para 13 meses. Em abril atingiram 14 meses, voltando para o nível de março de 2001.

Na semana passada, as Casas Bahia, maior rede de eletrodomésticos e móveis do País, tomaram decisão ousada: passaram a dar carência de 120 dias para o primeiro pagamento de móveis e de 90 dias nos eletrodomésticos. As compras a prazo efetuadas neste mês começarão a ser quitadas em setembro e agosto, respectivamente.

A rede também alongou de 10 para 12 vezes os planos no cartão de crédito sem juros. Prazos máximos de financiamentos de móveis e de eletrodomésticos atingiram 24 e 18 vezes, respectivamente, num movimento de alta que ocorre desde o fim do ano passado. ¿A lógica é simples: temos de fazer a prestação caber no bolso do consumidor porque não existe aumento de renda¿, diz o diretor Administrativo-Financeiro da rede, Michael Klein. Segundo ele, com o alongamento de prazos, o consumidor vai demorar mais tempo para fazer outra compra. Por isso, a rede precisa buscar novos clientes, acelerando, assim, os planos de expansão. ¿As duas coisas estão encadeadas.¿ Dentro do plano de abrir este ano 100 lojas, 27 já foram inauguradas. ¿Em 2004, o ritmo de inaugurações tinha sido menor no mesmo período.¿

Segundo Klein, as vendas reais que levam em conta o mesmo número de lojas passaram a crescer numa velocidade menor nos últimos meses. Em janeiro, a taxa de acréscimo era de 25% na comparação com o mesmo mês de 2004. Hoje esse índice está em 15%.

O Ponto Frio, vice-líder no varejo de eletrodomésticos e móveis, também optou pela estratégia de alongamento de prazos para compensar a elevação do juro básico. Segundo o diretor-executivo Comercial, Luiz Duarte, a empresa incentiva promoções com prazos de pagamento mais longos. ¿Hoje, entre 40% e 50% das promoções são para prazos de pagamento superiores a 12 meses. Em setembro esse índice oscilava entre 28% e 30%.¿

Segundo o executivo, até abril a desaceleração no ritmo de vendas não tinha sido sentida, mas, nas duas últimas semanas, houve retração em relação ao comportamento normal do mês de maio. ¿O Dia das Mães não foi aquele Dia das Mães.¿

As Lojas Colombo, especializadas em móveis e eletrodomésticos, estudam alongar de 20 para 24 vezes o prazo do crediário em junho ou julho, informa o diretor Comercial, Marcelo Bellizia Schrabichi. Na prática, o prazo médio de pagamento aumentou de 7 para 10 meses desde setembro. ¿Em pesquisa com clientes e percebemos um quadro de renda mais apertada. Por isso, o consumidor precisa de prazo maior.¿ Não é só o consumidor que é pressionado com a política monetária apertada e gastos crescentes, especialmente com o reajuste dos preços administrados, como energia elétrica e telefonia. ¿Os varejistas estão numa sinuca de bico¿, diz o vice-presidente da Anefac, Miguel Ribeiro de Oliveira.

Com a desaceleração no ritmo de crescimento das vendas, o comércio tem de desovar estoques indesejados que se acumularam nos últimos meses, por isso alongou prazos. ¿Os estoques estão elevados na indústria e no varejo¿, diz Duarte.

Como o varejista tem contas a pagar, precisa seguir a concorrência esticando prazos para não perder mercado e manter o fluxo normal das vendas, observa Oliveira. Ele não acredita que o alongamento de prazos signifique maior risco de inadimplência para os empresários. ¿Eles estão alongando prazos de forma cautelosa.¿