Título: Oportunidade desperdiçada
Autor: Paulo Renato Souza
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/05/2005, Espaço Aberto, p. A2

Há quatro anos o mundo vive uma época de calmaria e prosperidade, com os juros baixos e o comércio se expandindo vigorosamente. Neste cenário de contínuo progresso - inédito por um período tão longo nos últimos 15 anos -, o desempenho de nossa economia se situa vários pontos abaixo do que seria possível. Nós, brasileiros, tendemos a ser extremamente benevolentes no julgamento do desempenho macroeconômico e da promoção do crescimento do emprego e da renda dos trabalhadores por parte do atual governo. Essa complacência se explica pelo temor do que poderia haver trazido o seu advento, em função das propostas econômicas historicamente defendidas pelo Partido dos Trabalhadores. Não podemos, contudo, deixar de reconhecer, objetivamente, que esses anos vêm significando o desperdício de uma oportunidade histórica, que dificilmente se repetirá num futuro próximo, de promover o progresso econômico e social a um ritmo compatível com nossas potencialidades. Esse desperdício começou já em 2002. O crescimento de nossa economia foi pífio naquele ano em razão das expectativas negativas que os agentes econômicos internos e externos tinham da perspectiva de vitória do então candidato de oposição. Lembremos da quase explosão das avaliações internacionais do risco Brasil e da taxa de câmbio, e da conseqüente necessidade de elevar os juros para conter a inflação. As conseqüências vieram em 2003, ano perdido integralmente com a necessidade de o governo segurar a inflação com um aperto fiscal enorme e com a manutenção dos juros em patamares estratosféricos. O novo governo sentiu a necessidade de dar demonstrações cabais de compromisso com a estabilidade e a modernização da economia. Foi nessa época, por exemplo, que se aprovou uma nova parcela da reforma da Previdência como uma ação clara nesse sentido.

O ano seguinte, sem dúvida, foi melhor. Não nos devemos deixar enganar, porém, pelos 5,3% de crescimento do PIB em 2004. Apesar de ter sido o mais alto dos últimos anos, podemos afirmar que foi um porcentual muito aquém do possível, usando duas referências: em primeiro lugar, ele está baseado em ano de recessão (2003) e, em segundo lugar, foi menor que o crescimento médio da América Latina, que alcançou 5,5%. Como todos sabem, ultimamente nossa região não se tem caracterizado pelo vigor de seu crescimento no cenário mundial!

O ano de 2004 poderia ter-se constituído em algo espetacular para a economia brasileira se tivesse havido uma condução econômica e política competente e coerente. A regulamentação da reforma da Previdência se arrasta até hoje no Congresso e os gastos correntes, especialmente os de pessoal, sofreram forte expansão, como já tivemos oportunidade de analisar neste mesmo espaço, no mês passado. Como conseqüência, o investimento público não se expandiu à taxa que seria possível, mesmo levando em consideração o atual nível de aperto fiscal. A inflação, por outro lado, até hoje não dá mostras de estar completamente domada, o que obriga nossa conservadora política monetária a manter os juros muito mais elevados do que seria razoável. A queda do dólar passou a ser uma simples conseqüência dos juros altos, pois atraímos enormes somas de investimentos financeiros de curto prazo. Do seu ponto de vista, as autoridades macroeconômicas vêem com muito bons olhos o real apreciado, pois isso ajuda no controle da inflação.

Quais seriam as políticas que deveríamos estar praticando nesses quatro anos para aproveitar plenamente a conjuntura internacional favorável? Em primeiro lugar, deveríamos operar com juros muitíssimo mais baixos que os atuais; em segundo lugar, deveríamos aumentar o investimento público em nossa infra-estrutura; em terceiro lugar, deveríamos reduzir, e não aumentar, a carga tributária; em quarto lugar, deveríamos diminuir, e não aumentar, a regulamentação e a burocracia que incidem sobre a atividade econômica; em quinto lugar, finalmente, deveríamos praticar uma taxa de câmbio com um real menos valorizado para aproveitar ainda mais a ótima conjuntura no comércio internacional.

Não tem sido possível aplicar estas cinco orientações de política econômica nos últimos anos por exclusiva responsabilidade do atual governo. Em alguns casos, os problemas residem na própria política econômica, como é o caso da expansão do gasto público corrente e dos impostos para financiá-la sem aumentar o déficit. Em outros, a explicação está na inoperância e na incompetência políticas demonstradas no relacionamento com o Congresso Nacional, como se observa no caso da incompleta reforma previdenciária. Uma terceira ordem de problemas tem sua origem em raízes ideológicas, como é o caso da orientação estatizante e controlista da atividade econômica, patente em várias instâncias e medidas governamentais. Por último, mas não menos importante, falta uma clara orientação aos condutores da política monetária no sentido de considerar objetivos mais amplos que o simples controle inflacionário por meio de metas estritas e irrealistas.

O problema seria menor se o tempo perdido pudesse ser recuperado de algum modo. As águas que movem o moinho não voltam e a trajetória da economia no capitalismo nunca se expressa por uma reta, sendo um sistema caracterizado pelos ciclos econômicos. Nenhum analista responsável aposta hoje na continuidade da atual conjuntura internacional. Os mais otimistas estimam que os países líderes sejam capazes de conduzir a economia mundial através de um processo de lenta desaceleração; os menos otimistas já enxergam crises no horizonte que se vislumbra. De uma coisa nós, brasileiros, podemos estar certos: desperdiçamos quatro anos maravilhosos que poderiam ter colocado nosso país numa posição econômica e política muito superior à atual. Se essa incompetência foi demonstrada numa época de bonança, podemos temer pelo pior em tempos menos favoráveis.