Título: A Argentina, o Brasil e a ONU
Autor: Juan Gabriel Tokatlian
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/05/2005, Espaço Aberto, p. A2

É tão equivocado sustentar que a Argentina tem uma posição antibrasileira em relação à eventual reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) como é errado pensar que o Brasil expresse uma ambição imperialista no trato desse tema. Buenos Aires e Brasília, tal como acontece com a maioria das potências médias, regionais e grandes, têm posições diferentes em relação a esse assunto. Isso é normal. Após o término da guerra fria, iniciou-se um amplo debate político, institucional e acadêmico em torno da ampliação e democratização do Conselho de Segurança. Quando a organização completou 50 anos, em 1995, no momento de sua fase mais otimista pós-guerra fria, não se conseguiu chegar a um acordo consistente quanto à atualização desse órgão, vital para a paz e a segurança internacionais. Daquele momento em diante, sucederam-se mais propostas e novos anúncios, mas sem se chegar a um compromisso geral dos Estados.

Às vésperas do 60.º aniversário da ONU, ressurgiu o tema da reforma do Conselho de Segurança. Apesar de a aprovação dessa reforma, na conferência de cúpula mundial de setembro deste ano, ser altamente improvável, observam-se alguns consensos relativos e várias divergências substantivas. Por um lado, entende-se que é conveniente o incremento dos seus membros, uma vez que a última alteração ocorreu em 1963, quando se resolveu elevar o número de membros não permanentes de seis para dez (conservando os cinco assentos permanentes estabelecidos em 1945). Mesmo assim, parece claro que qualquer modificação não implicará a outorga do poder de veto aos eventuais novos membros permanentes.

Também é evidente que, após várias proposições, as duas alternativas hoje aceitas são as que o secretário-geral Kofi Annan sintetizou em manifestação recente: a) seis novos membros permanentes e três novos membros não permanentes com assento por dois anos; e b) nove membros não permanentes, oito deles ocupando assentos por quatro anos de forma renovável e um não renovável por dois anos.

Daí em diante, começa a dissensão, que se apresenta em dois planos. De um lado, os cinco membros permanentes têm projetos e interesses divergentes. Os Estados Unidos preferem que se dê um assento permanente ao Japão (o que vêm promovendo ativamente) e outro à Alemanha (já manifestaram isso, embora menos energicamente depois da posição de Berlim em relação à guerra do Iraque) e aceitariam três assentos para nações menos industrializadas ou periféricas. A Rússia, estrategicamente apenas observando nos últimos 15 anos, não parece propor fórmulas ou candidatos próprios. A China mostrou-se favorável à incorporação de mais membros periféricos, mas sem indicar explicitamente suas predileções. A Grã-Bretanha e a França não têm querido propor nomes, em grande parte por causa das diferenças existentes no seio da União Européia.

Por outro lado, os potenciais candidatos a um novo Conselho de Segurança encontram, de algum modo, vetos cruzados. A aspiração do Japão não tem muita aceitação no sudeste da Ásia: em particular, a China e as duas Coréias rejeitam, com bastante veemência, a hipótese do ingresso de Tóquio no conselho. Contra a candidatura da Alemanha reagiu a postulação da Itália, país que, juntamente com a Espanha e o Canadá, não apóia um assento permanente para Berlim. A Índia e o Paquistão se opõem reciprocamente e têm sugestões muito distintas. Na África, a ambição da Nigéria de se tornar membro permanente do conselho enfrenta a resistência da África do Sul e do Egito. No Oriente Médio, o grau de belicosidade, fragmentação e convulsão tem impedido que, como região, tenha postulantes decisivos.

Nesse contexto, é natural que na América Latina se reproduzam situações semelhantes. Está claro que o Brasil prefere a primeira fórmula apresentada por Kofi Annan e que a Argentina opta pela segunda. Na nossa região, Brasília tem sido mais eficiente em obter apoios tácitos e conquistar respaldos explícitos. Nesta última categoria está, por exemplo, a Venezuela - paradoxal referência de uma determinada ala progressista com afinidades com o governo de Néstor Kirchner, que identificou em Caracas um aliado-chave para "servir de contrapeso" a Brasília. Provavelmente, uma mistura de ignorância e incompetência explique esta posição de alguns setores de centro-esquerda.

O México acompanha a Argentina neste tema, embora Buenos Aires tenha sido muito mais assertiva nessa questão. A coincidência entre ambos os países em torno do assunto do conselho não implica que a Argentina deva redefinir sua projeção regional: a América do Sul, mais que a América Latina, deveria ser o nosso principal enfoque de atuação, tanto por razões práticas - a grande diminuição de nossas capacidades materiais, militares e simbólicas - como por motivos estratégicos, dado o significado da América do Sul para nossos principais interesses políticos, comerciais, militares e culturais.

A posição de Buenos Aires em relação à reforma do Conselho de Segurança é coerente com sua própria tradição e com sua atual condição: a Argentina sempre buscou um certo grau de influência no sistema internacional e foi perdendo atributos de poder nas três últimas décadas. Nossa postura é lógica do ponto de vista de nossas aspirações e está em consonância com nossa situação atual. O equívoco está em acreditar que se trata de uma tese circunstancial e unilateral de caráter antibrasileiro.

O Brasil não é nosso rival, é o nosso melhor parceiro no caminho para a construção de uma cultura da amizade no Cone Sul. Devemos fortalecer uma sociedade estratégica madura com acordos prioritários e divergências francas. Não estamos de acordo na questão da reforma do Conselho de Segurança da ONU, mas somos sócios em outra ampla gama de assuntos regionais e mundiais. Em última análise, é disso que trata a criação de uma associação bilateral realista e vigorosa.