Título: O dinheiro é pouco, mas aposentado é bom pagador
Autor: Angela Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/05/2005, Nacional, p. A6

Antônio de Oliveira vai receber R$ 300 no dia 4. Tem 91 anos e ainda sustenta seus dois filhos, Maria Aparecida e Benedito. Ela é professora formada, mas vive da aposentadoria do pai, assim como o irmão. Os dois fazem bicos para completar o orçamento da casa, na periferia de Porangaba (SP). O dinheiro é pouco para manter a família, dois cachorros e quatro gatos que também vivem lá, num terreno de mais ou menos 150 metros quadrados, casa de bloco aparente e quintal em que a vegetação divide espaço com amontoados de trapos sujos, dois esqueletos de cadeira, outro de sofá. "Eu queria mesmo era uma viola", diz seu Antônio, ao responder à pergunta em voz alta - ele é deficiente auditivo - sobre o que faria se sobrasse algum dinheiro. Em geral, falta, mas ele costuma pagar suas contas religiosamente em dia. É gente como seu Antônio e dona Terezinha dos Santos Nascimento, de 73 anos, com o mesmo salário mínimo de pensão que o marido lhe deixou, que contribui decisivamente para a sobrevivência de Porangaba, de 6.652 habitantes, segundo o IBGE (2000) ou 11 mil, de acordo com o prefeito Benedito Machado Neto (PSDB).

Aposentadorias e pensões fazem o mundo girar em Porangaba. "Dá uns 40% da clientela, mas a diferença é que os aposentados costumam pagar certinho. Se compram na caderneta, pagam no dia combinado", conta José Edson da Silva, dono de duas padarias, no centro do município, que vendem um pouco de tudo, além de pão. Na Drogaria São José, eles são 85% da clientela. "Tenho 417 fregueses em carteira e os aposentados são os menos inadimplentes", diz o proprietário Cláudio Corrêa.

Nos bolsos de gente como Antônio, Terezinha e Olívio Melo, que aos 77 anos faz voluntariamente a poda de parte das árvores da cidade para passar o tempo, entraram do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em 2003, R$ 6,5 milhões. Mais do que a prefeitura teve para gastar naquele ano: R$ 5,4 milhões, dos quais R$ 3,5 milhões foram repassados pela União ou pelo governo estadual. No mesmo período o INSS arrecadou apenas R$ 1.062.409,17, um quinto do que pagou em benefícios.

Hoje, são 1.490 aposentados e pensionistas, com uma remuneração média de R$ 380. Quase um terço é de aposentados rurais, que, na grande maioria, nunca contribuíram para o INSS.

MALDIÇÃO

No fim da década dos 30, com o plantio de algodão e milho, Porangaba chegou a ter 15 mil habitantes, segundo o historiador Júlio Domingues. Atualmente há uma pequena produção pecuária, algumas granjas e duas indústrias que garantem 300 empregos. Outros 150 moradores trabalham na vizinha Conchas. Corre a lenda de que vigorou no município, desde 1899, uma maldição. A cigana Ana Silveira morreu em terras de Bela Vista, que, traduzido para o tupi, deu nome à cidade. Morreu de parto, na rua, e como ninguém lhe ofereceu ajuda, rogou a praga de que por 100 anos a cidade não iria para a frente. Até hoje, nos dias de Finados, seu túmulo fica lotado de velas e pedidos.

O prazo do castigo já se esgotou, mas Porangaba ainda procura o progresso. O prefeito Benedito Machado Neto aposta no turismo, com a ajuda de Nossa Senhora e da fonte de água benta que mantém no gabinete. Mas ele não gosta nem de imaginar como seria a vida do município se, de um dia para o outro, todos os aposentados e pensionistas da cidade perdessem a mesada.

"Se esse povo perdesse a aposentadoria e dependesse da prefeitura, aí seria o caos", afirma o prefeito, espantado ao saber que os repasses do INSS rivalizam com o seu orçamento de um ano. "O problema é que muita gente mal consegue viver dessas aposentadorias. Temos de dar assistência."

Diariamente, duas vans da prefeitura levam idosos e pessoas carentes para hospitais em Botucatu. Há dois postos de saúde em Porangaba, nenhum leito hospitalar. A Casa Amiga, mantida com recursos do município, do Estado e da União, dá apoio para 20 idosos carentes. Patrocínea Vieira Nascimento, de 76 anos, é colega de Antônio e Terezinha na Casa Amiga. Ganha um salário mínimo de aposentadoria, para a qual nunca contribuiu, embora tenha trabalhado até os 69 anos na roça e em casas de família. Faz as refeições na Casa, costura bolsas de fuxico e prepara flores de tecido.

Patrocínea paga R$ 100 de aluguel, R$ 30 de água e luz e R$ 53 da cama e colchão que comprou em 12 vezes. "O dinheiro não sobra é nada, mas ponho fé que nesse ano vou ganhar minha casinha." Ela e Terezinha Nascimento estão na fila da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano para a casa própria.

O aluguel de Terezinha é ainda mais caro: R$ 120 para um cômodo com banheiro que já foi igreja evangélica e boteco. Recém-saída de uma cirurgia no estômago, gasta R$ 60 por mês com remédios. Ao contrário de Patrocínea, nem com os filhos ela pode contar. Mesmo proibida pelo médico, faz tapetes, sabão e recolhe latas para viver. "Se não tivesse a pensão, eu tava na rua pedindo esmola."