Título: 'Seu desejo é reproduzir os anos Perón'
Autor: Ariel Palácios
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/05/2005, Internacional, p. A14

BUENOS AIRES - Marcos Aguinis é um dos principais pensadores contemporâneos da Argentina e autor de O Atroz Encanto de Ser Argentino, um ácido retrato da sociedade deste país que se transformou em best seller. Em entrevista ao Estado, ele dissecou a anatomia da administração Kirchner. Como foram os dois primeiros anos de governo Kirchner?

Foram populistas. Rapidamente ele identificou inimigos fáceis e buscou o apoio do povo com atitudes de tonalidade autoritária. Há uma contradição entre sua imagem de progressista e sua forma de não mudar coisa alguma. No entanto, o país teve uma etapa afortunada desde sua posse, pois o contexto internacional foi favorável. Há melhoras na economia, especialmente no turismo. Mas isso é insuficiente para um crescimento sustentável.

Kirchner voltou às raízes mais profundas do peronismo?

É um peronismo básico, com ingredientes dos anos 70, conceitos fora de uso e idéias estatizantes. Pratica um assistencialismo que não estimula a cultura do trabalho, mas a da mendicância. O assistencialismo é uma forma perversa de subornar as massas, mantendo-as na pobreza. Seu desejo é reproduzir os anos de Perón. Mas naquela época a Argentina era rica.

Nas pesquisas ele tem imagem positiva de 50% a 70%...

As estatísticas não são muito confiáveis. Fala-se por aí em pesquisas alteradas. Além disso, existe um amplo setor da população que recebe subsídios. Por isso, milhões de pessoas apóiam essa política. Existe um fator negativo na América Latina, a figura do líder machão, que briga e confronta, suscitando admiração. É lamentável.

Não combina com a idéia de uma Argentina europeizada...

A Argentina já foi europeizada. Nas últimas décadas se latino-americanizou nos piores aspectos. A droga entrou, a riqueza está na mãos de poucos, o crime disparou, a fome cresceu.

O peronismo controla hoje a Câmara, o Senado e a maioria dos governadores. Analistas afirmam que o país será peronista por muitos anos...

O peronismo está fraturado. Na última eleição presidencial teve três candidatos. Com o peronismo ocorrerá o mesmo que com o getulismo no Brasil. Um dia acaba. O bom seria se fosse formado um pólo opositor.

O presidente evita os jornalistas, argentinos e estrangeiros. Ele os teme?

É difícil para Kirchner manter um diálogo. Quando fala com a multidão, em um comício, é monólogo. Reúne-se com os ministros de forma separada. Nunca em grupo. Evita grupos. Tem obsessão pelo controle.

Como definiria Kirchner com duas palavras?

Imprevisível e misterioso .