Título: Kirchner dá a volta por cima
Autor: Ariel Palácios
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/05/2005, Internacional, p. A14

BUENOS AIRES - Nesta quarta-feira Néstor Kirchner celebrará dois anos ocupando a cadeira presidencial. Em maio de 2003, quando tomou posse, poucos acredi tavam que chegaria até aqui. Com apenas 22% dos votos, as profecias políticas eram pessimistas, pois o indicavam como "o presidente mais fraco da história da Argentina". No pior dos casos, as previsões sustentavam que ele não duraria muito no poder. No melhor, afirmavam, Kirchner poderia permanecer no posto, mas não passaria de um títere de seu padrinho político - e antecessor -, o ex-presidente Eduardo Duhalde (2002-2003). Inesperadamente, dois anos depois, Kirchner tornou-se o presidente mais poderoso da Argentina. Ele controla a Câmara dos Deputados, o Senado, a Corte Suprema e tem a obediência de quase todos os 24 governadores (apenas um, da pequena província de Neuquén, se opõe ferreamente a ele). Além disso, tornou-se independente de Duhalde, caudilho da Província de Buenos Aires, onde se concentra 40% do eleitorado e um terço do PIB argentino. Kirchner também eliminou os vestígios de poder que possuía o ex-presidente Carlos Menem (1989-99).

Mas o poder de Kirchner também corre seus riscos. Os protestos sindicais ressurgiram com força após dois anos de calmaria.Funcionários públicos pedem aumentos salariais. A pobreza, embora menor, permanece em patamares recordes para um país que foi o paraíso da classe média. Começam a aparecer denúncias de corrupção envolvendo ministros.

A oposição reclama do presidente a adoção de reformas (na estrutura dos partidos e nas forças de segurança). Os opositores criticam o "estilo K" - a forma sem papas na língua do presidente. Segundo os críticos, os modos agressivos de Kirchner estão isolando o país do restante do mundo. Kirchner é criticado ainda por ser um dos presidentes mais centralizadores da história do país, não deixando que ministros apliquem medidas sem passar por seu crivo. Além disso, exerce férreo controle sobre a imprensa, o que lhe valeu críticas da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).

Neste fim de semana, a principal revista do país, a Noticias, chama Kirchner de Napoleão. Sua presidência, afirma, é marcada "pela paranóia e hegemonia (...) Kirchner pensa que o Estado é ele (...) Governa como se fosse Bonaparte".

PLEBISCITO

Kirchner deixou claro que começa uma nova etapa de governo, que será marcada pelas decisivas eleições parlamentares de outubro, nas quais serão renovados metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado, além das Assembléias Legislativas. Ele definiu essas eleições como um plebiscito: "O povo vai dizer sim ou não ao governo. Precisamos aprofundar as reformas."

Após as eleições, terá de concluir as negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), renegociar com empresas privatizadas o fim do congelamento de tarifas e atrair recursos para o país, que nos últimos anos foi pouco sedutor para o capital externo.

E Kirchner já planeja a reeleição em 2007. Segundo a analista de opinião pública Graciela R¿mer, é difícil pensar na próxima eleição presidencial "logo em um país como a Argentina, onde longo prazo não existe". No entanto, ela destaca que um dos pontos que favorece Kirchner é "a indefinição de lideranças da oposição. Não dá para ver, no momento, quem poderia ser uma alternativa contra Kirchner em 2007".

No entourage presidencial, os mais ambiciosos não descartam quatro períodos "K". O atual e o próximo (2007-2011). E os dois seguintes (2011-2015 e 2015-2019), com sua mulher, a senadora Cristina Fernández de Kirchner, definida como "mais dura que Kirchner".

Sem contar com um respaldo político forte no início do mandato, Kirchner se dedicou a um frenesi de medidas que atraíram a simpatia da população. Ele começou removendo a impopular cúpula da Polícia Federal e do Exército. Depois, renovou a Corte Suprema. Sem parar, atacou os credores internacionais, o FMI, as empresas privatizadas de serviços públicos e até o governo Lula.

Graciela disse ao Estado que sua popularidade se explica "pelo bom funcionamento da economia". Em dezembro, o índice de aprovação do governo era de 45%. No último trimestre subiu para 60%.