Título: Um fenômeno que vem sendo analisado há dez anos
Autor: Simone Iwasso
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/05/2005, Vida&, p. A18

Criança desnutrida se torna um adulto obeso. Esse, por sua vez, tem grandes chances de criar um filho desnutrido, que no futuro poderá se tornar uma pessoa acima do peso. O ciclo descrito acima pode parecer estranho, mas, além de estar sendo comprovado por estudos científicos, é um dos fatores para explicar o crescimento das taxas de obesidade entre a população de baixa renda - um fenômeno que começou a ser observado no Brasil principalmente a partir dos últimos dez anos. "Estávamos acompanhando estudos internacionais que mostravam esse fator e fizemos uma pesquisa em comunidades de baixa renda de Maceió e São Paulo, onde também percebemos essa relação", explica Gisela Maria Bernardes Solymos, do Centro de Educação e Recuperação Nutricional (Cren), uma das autoras da pesquisa, ao lado de Ana Lydia Sawaya, professora do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

"Trata-se de uma área nova, à qual agora os pesquisadores estão começando a prestar atenção", diz. Segundo a pesquisadora, as razões disso ainda não estão claras, mas uma das explicações para a relação pode estar no fato de que o organismo humano dispõe de vários mecanismos de defesa para poupar energia e acumular gordura em situações de fome.

Desse modo, ao passar anos em estado de desnutrição, a pessoa, além de ficar com uma estatura menor do que teria em situações normais, acaba desencadeando um processo de acúmulo de gordura, mesmo quando sua alimentação passa a ser mais regular.

"É comum em comunidades carentes encontrar mães obesas, às vezes até com obesidade mórbida, com filhos desnutridos. Elas comem a mesma quantidade de comida que outras mulheres de sua faixa etária, mas engordam mais", explica Gisela. Foi o que observaram nas pesquisas em Maceió e São Paulo. As mães obesas de crianças desnutridas ingeriam a mesma quantidade de calorias diárias que outras mulheres da comunidade que estavam com o peso normal. No entanto, não conseguiam emagrecer.

Além disso, cerca de 13% das famílias tinham pelo menos um membro desnutrido e um membro obeso convivendo na mesma casa, com o mesmo tipo de alimentação, com uma prevalência maior entre as mulheres. "Estamos numa etapa de transição nutricional, própria de países em desenvolvimento, onde a obesidade e a desnutrição se encontram em níveis bastante próximos", explica José Augusto Taddei, chefe de Nutrologia do Departamento de Pediatria da Unifesp.