Título: Nas salas de aula de São Paulo, 25% estão desnutridos e obesos
Autor: Simone Iwasso
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/05/2005, Vida&, p. A18

Associadas à miséria e à opulência, mas muitas vezes provocadas por uma mesma situação de carência e escassez, a desnutrição e a obesidade aparecem mais próximas do que se costuma pensar nas escolas públicas da maior e mais rica cidade do País. O diagnóstico, feito por uma pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), é preocupante: cerca de 25% dos estudantes de 11 a 18 anos estão mal nutridos - 11% com algum grau de desnutrição e 14% com níveis diversos de obesidade, com pequena variação entre os sexos. Para chegar a esses números, a autora da pesquisa e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Obesidade e Exercícios Físicos (Neobe) da USP, Cláudia Cezar, contou com a participação de professores de educação física de 85 escolas da rede municipal, distribuídas por todas as regiões de São Paulo. No total, foram analisados 9.720 estudantes, divididos igualmente entre meninos e meninas.

Primeiro, os professores, todos voluntários, passaram por um curso de capacitação de 70 horas, para aprender a fazer a análise antropométrica e calcular o Índice de Massa Corporal (IMC) dos alunos. Após colocarem em prática o que aprenderam, os dados foram reunidos e analisados por Cláudia.

Com os resultados tabulados, uma realidade diferente da esperada até mesmo pela pesquisadora começou a aparecer. "Os índices nos surpreenderam. Esperávamos, por exemplo, encontrar de 3% a 5% no máximo de desnutrição leve e moderada. Cerca de 11% para meninos e 12,7% para meninas é um número muito alto para uma cidade como São Paulo", afirma Cláudia.

Do outro lado da tabela, estão os 14% de meninos e 14,9% de meninas com sobrepeso e obesidade. "Aí entra a questão da fome oculta. Faltam micronutrientes, vitaminas e minerais no corpo desses pré-adolescentes e adolescentes. Eles ingerem uma quantidade muito maior de alimentos ricos em gorduras e açúcares, mas pobres em nutrientes. Com isso, aumentam de peso, mas continuam mal alimentados", explica.

Seja pela falta ou pelo excesso, praticamente um quarto dos estudantes na faixa etária estudada está com problemas. Problemas que causam dificuldades de aprendizagem e prejudicam o crescimento e o desenvolvimento - no caso da desnutrição. E que, provavelmente, os levarão a ter doenças coronárias, diabete e hipertensão, aumentando uma fila que, segundo especialistas, os serviços de saúde não estão preparados para atender.

"Nesses casos, tudo é má nutrição ou tipos diferentes de desnutrição, o que nos dá um panorama do estado de saúde desses estudantes. Obesidade e desnutrição estão mais ligadas do que nós geralmente pensamos, e ambas têm conseqüências tanto para o aprendizado quanto para o futuro desses alunos", explica Gisela Maria Bernardes Solymos, uma das diretoras do Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren), entidade não-governamental que realiza projetos e pesquisas em comunidades carentes. "Um aluno desnutrido sente-se como se estivesse constantemente com 40 graus de febre. E, a não ser nos casos graves, em que é preciso uso de medicamentos, isso pode ser corrigido apenas com uma mudança na alimentação", diz.

Segundo dados da própria Secretaria Municipal de Educação, em uma pesquisa feita com 3.540 alunos de ensino infantil e fundamental no mês passado, os distúrbios vão além e estão relacionados a outros problemas de saúde.

Entre as crianças com menos de 2 anos, 57% estão com anemia ferropriva (desequilíbrio entre as demandas fisiológicas de ferro e o nível de ingestão de ferro na dieta) - índice que vai caindo conforme o aumento da idade, mas que, acima dos 7 anos, permanece em 15%. No ensino fundamental, por exemplo, 70% estão com cáries e 30% com problemas auditivos.

Os dados referentes ao estado nutricional da pesquisa da secretaria são bem parecidos com os obtidos por Cláudia: cerca de 16% apresentam sobrepeso e obesidade, e 9,5% têm graus leves ou moderados de desnutrição. Pesquisas recentes que preenchem a falta de dados atuais sobre o assunto.

PAPEL DA ESCOLA

O fato de os levantamentos terem sido feitos dentro das escolas tem uma mesma explicação. Para quem trabalha com saúde e nutrição, o ambiente escolar é o espaço ideal para ensinar noções de nutrição, alimentação saudável e, além disso, chegar aos pais dos alunos, que também se alimentam mal sem saber. É na escola que o aluno passa a maior parte do seu dia, e é também o local onde ele convive em grupo - fator que contribui para introduzir mudanças de hábito com mais facilidade, uma vez que, quando todos os amigos adotam um novo costume, a prática se torna mais fácil de ser seguida.

"A escola não tem estrutura para levantar essas questões, ficando muito presa ao conteúdo curricular. É um assunto para ser trabalhado com o professor, para ele então poder levar isso aos alunos em discussões na sala de aula", afirma o educador Artur Costa Neto, membro do Conselho Municipal de Educação e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Segundo Cláudia, a proposta do trabalho foi tentar colaborar para mudar essa situação. Além de identificar o estado nutricional, a pesquisa teve como objetivo capacitar professores de educação física para criar um método de avaliação e transmitir informações sobre nutrição e exercícios físicos - uma experiência que ela sonha um dia ver aplicada em todas as escolas. "Na Costa Rica, isso já foi feito. Os professores monitoram todos os anos os estudantes. Fica muito mais fácil identificar e intervir nos problemas de saúde. E é mais fácil transmitir a importância da nutrição correta e da atividade física", diz. "Esse deve ser o papel do professor de educação física."

Um pequeno passo está sendo dado pela secretaria municipal, que colocou em prática há duas semanas o projeto Saúde nas Escolas, cujo conceito se aproxima da intervenção pedida pelos especialistas. "Criança doente não aprende. Pretendemos criar ações para que a escola seja promotora de saúde, que encaminhe as crianças para terem uma assistência quando necessário", afirma o secretário municipal de Educação, José Aristodemo Pinotti.

Segundo ele, "as estatísticas são bastante preocupantes, por mostrar problemas de saúde e de maus hábitos, que podem ser mudados, inclusive, com uma merenda diferente da atual".

Outro fator importante é conseguir, por meio dos estudantes, chegar até as famílias, que, muitas vezes por necessidade ou falta de tempo e informação, se alimentam apenas de produtos muito calóricos, com altas taxas de gordura e poucos nutrientes - os mais baratos nos supermercados.

"Falta informação. Tem mãe que dá cachorro-quente de almoço, que compra salgadinhos para o jantar. Seria mais barato se ela fosse à feira e servisse legumes, verduras e frutas. Mas percebemos que falta esse hábito", diz Vera Lúcia Perino Barbosa, fisiologista e coordenadora do Instituto Movere, ONG que atende crianças carentes obesas. "A escola pode mudar esse quadro dando informações corretas, porque quando se envolve o aluno, ele traz toda a família."