Título: 'A gente tem de sair deste nó'
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/05/2005, Economia, p. B4

BRASÍLIA - O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), acha que a política econômica deve sofrer uma "inflexão". Ele considera que a valorização do real está permitindo que o Banco Central acomode as pressões inflacionárias decorrentes do choque de preços internacionais das commodities, como o petróleo e o aço, e dos preços administrados. Mas, afirma, não se pode usar a âncora cambial por um período de tempo muito prolongado, sob pena de se comprometer a capacidade exportadora e o crescimento de alguns setores da economia. Mercadante diz que isso ainda não está ocorrendo. "Acho muito importante que cuidadosamente, progressivamente, a gente saia deste nó." Elevar a meta de inflação para 2006, fixada em 4,5%, e trabalhar com um prazo mais longo para que ela seja obtida é a saída sugerida por Mercadante. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Está ocorrendo quase uma unanimidade nacional contra a política de juros do Banco Central. Qual é a sua avaliação?

Em primeiro lugar, a política de juros é parte de uma política antiinflacionária que está utilizando a âncora cambial. Ela é usada para compensar o aumento de preços de commodities, tais como petróleo e aço, e os preços administrados dos serviços públicos e concessões. Os contratos desses serviços utilizaram indexadores inadequados e um marco regulatório muito precário, que decorreu do processo de privatização. Esses preços pressionam muito a inflação porque incorporam a variação cambial do passado.

A valorização do real é uma forma de compensar a elevação de preços das commodities?

Das commodities e dos preços administrados, que decorrem de contratos cujos indexadores são inadequados. A valorização do real ajuda a amortecer essa pressão inflacionária. Esse é o elemento central.

Há espaço para essa política?

Nos últimos dois anos e meio, o Brasil registrou uma mudança expressiva em suas contas externas. As exportações e o saldo comercial apresentaram os melhores resultados da história. Houve também uma recuperação das reservas internacionais. Então, usa-se esse momento favorável em termos de balança comercial e de balanço de pagamentos para realizar essa política de deflação. O problema é que ao buscar deflacionar o choque externo das commodities e o efeito dos indexadores dos contratos de serviços públicos, acaba-se sobrecarregando a política monetária. Isso começa a comprometer o ritmo de crescimento de alguns setores da economia e a pressionar em demasia a política fiscal.

Mas a valorização do real não decorreu só das taxas de juros.

Não. O País está com um superávit comercial e um superávit em conta corrente muito grande. É um dinheiro que está entrando no Brasil e que pressiona a taxa de câmbio. Mas quando o spread bancário é muito alto em relação à taxa de juros internacional, acaba-se atraindo mais capital e aprofunda-se o movimento de valorização da moeda.

O uso da âncora cambial pode desarticular o setor exportador?

Se essa estratégia for utilizada por um tempo muito longo, começa-se a comprometer a capacidade exportadora, que até agora não foi comprometida, e começa-se a prejudicar alguns setores importantes, em termos de impacto de emprego, o que, pelo resultado de abril, ainda não aconteceu. A história econômica nos ensina que essa estratégia sempre leva a problemas de crescimento e também que depois, na volta da taxa de câmbio, acaba-se perdendo a conquista de controle de preços que se teve na fase anterior. A acho muito importante que cuidadosamente, progressivamente, a gente saia deste nó.

Como é que se sai desse nó, como é que se muda essa política de juros?

Acho que o equívoco foi a meta de inflação de 4,5% para este ano. Ela foi muito apertada, equivocada e irrealista. Tanto foi irrealista que, depois, o BC teve de migrar para a meta de 5,1%. Como a banda de variação é de 2,5 pontos porcentuais para mais ou para menos, o limite máximo para a inflação este ano é de 7%. Ora, como o País terminou o ano passado com uma taxa de inflação de 7,6%, o BC teria de fazer uma forte pressão na política monetária para fazer a inflação convergir para o centro da meta. Defendo que a meta seja de 5,5%, com uma margem de tolerância que pode ser decrescente. A Autoridade Monetária poderia ter esse intervalo como referência operacional e não propriamente a meta centrada. Com isso, ela teria um prazo mais longo para fazer a acomodação. Para mim, o grande desafio do Brasil é manter a inflação em queda lenta e contínua e, ao mesmo tempo, a economia em crescimento.

A idéia é ter mais inflação e mais crescimento?

Não quero mais inflação. Quero que ela continue numa trajetória de queda. Agora, numa trajetória de queda realista que permita manter um ritmo forte de crescimento. Mas é bom observar que a inflação começou a ceder.

Há informações de que o governo já decidiu manter a meta de inflação de 4,5% para 2006 e que vai fixar 4,5% também para 2007.

Não tenho essa informação. Acho que o debate continua porque o Conselho Monetário Nacional ainda não decidiu. Continuo buscando argumentos para que se possa tomar a melhor decisão para o País.

O que o senhor acha da proposta de que a meta exclua os preços administrados?

A inflação real, a que é sentida pela sociedade, sofre impacto dos contratos indexados. Acho melhor trabalhar com a idéia de fazer a redução da inflação de forma mais lenta num prazo maior.

A política de crédito do governo não é contraditória com o objetivo da política monetária?

Tivemos um choque de crédito na economia, com o crédito consignado em folha. Mais de 4,5 milhões de brasileiros que não tinham acesso a conta bancária, passaram a ter. Houve também melhorias no setor imobiliário e alguns instrumentos de fomento à poupança de longo prazo. Tudo isso alavancou o crédito. Elas são contraditórias no curto prazo. O impacto imediato é uma expansão do crédito. Mas são mudanças estruturais de redução do spread que trarão benefícios permanentes.

Os críticos dizem que o governo está gastando muito. A elevação do superávit primário poderia ser um caminho para suavizar a política monetária?

Em primeiro lugar, é preciso dizer que este governo não elevou a carga tributária. Ela está abaixo daquela que herdamos em 2002. Em segundo lugar, o gasto de pessoal é inferior ao do governo passado porque enxugamos substancialmente as despesas com empresas terceirizadas. Os investimentos, infelizmente, continuam muito comprimidos. Onde houve de fato um aumento importante de gastos foi em políticas sociais, principalmente o bolsa família e aqueles programas relacionados com a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). O combate à pobreza absoluta é o grande desafio de um país como o nosso.

O senhor diz que a inflação está cedendo. Mas parece que não é isso o que pensam os diretores do Banco Central que voltaram a elevar a taxa de juros.

Não vou comentar a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária), pois a ata da reunião ainda não foi divulgada. Mas acho que há espaço para uma inflexão dentro de uma política que é exitosa. Os avanços são muito consistentes. Acho que é uma grande vitória do País ter tido uma inflação de 7,6% com crescimento de 5,2% no ano passado. Temos de preservar essa trajetória, fazendo a inflexão. Para mim, a discussão fundamental é a questão da meta de inflação.

O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social sugeriu ao presidente Lula que aceite elevar de 3 para 9 os membros do Conselho Monetário Nacional. O senhor concorda?

Acho que nove é muita gente. Tenho um projeto. Defendo que se inclua o ministro do Desenvolvimento, que trata diretamente da política de exportações, e dois representantes da sociedade com notório saber e reputação ilibada.

Com essa mudança, não existe o risco de se politizar as decisões do Conselho?

Não. O governo terá assegurada a sua maioria e permitirá um debate que é absolutamente salutar. As discussões sobre câmbio, taxa de juros, inflação, dizem respeito ao conjunto da área econômica. O ministro do Desenvolvimento, que cuida do comércio exterior, será sempre uma pessoa qualificada para esse tipo de discussão. Ele traz uma agenda que expressa o sentimento da produção e, portanto, precisa ser ouvido. Os representantes da sociedade serão da confiança do presidente da República. O controle do governo será mantido.

Alguns analistas acham que a política econômica do governo aponta para uma crise em 2006, justamente em ano eleitoral. O senhor faz essa leitura?

Desde o começo deste governo, alguns críticos dizem que vai ocorrer uma crise econômica. No entanto, os resultados têm sido bastante exitosos. Eu acho que o rumo é este. Um trabalho sério, duro, persistente. Só assim, o Brasil vai conseguir combinar a estabilidade e o crescimento. Agora, eu acho que há espaço para uma inflexão na política econômica, que tem de ser cuidadosa, dentro desse rumo correto imprimido pelo ministro Antonio Palocci (da Fazenda) e sua equipe.