Título: O plano da TAP para salvar a Varig
Autor: Mariana Barbosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/05/2005, Economia, p. B9

O acordo da TAP com a Varig, cujos detalhes devem ser anunciados dentro de duas semanas, deve resolver pouco mais de 10% do problema de endividamento da companhia brasileira. A operação que está sendo desenhada em Lisboa envolve, de acordo com fontes próximas às negociações, empresas de leasing de aeronaves, para as quais a Varig deve cerca de R$ 700 milhões, equivalente a 13% de sua dívida. A estatal TAP não entraria com capital próprio, mas assumiria para si as dívidas da Varig com as empresas de leasing, em troca de participação acionária. Como já declarou o presidente do Conselho de Administração da Varig, David Zylbersztajn, a TAP também deve buscar outros investidores. Entretanto, a TAP e eventuais investidores estrangeiros terão de limitar essa participação em 20% - limite estabelecido pelo Código Brasileiro de Aeronáutica para capital estrangeiro em uma companhia aérea brasileira.

Procuradas pela reportagem, Varig e TAP não quiseram comentar a informação.

Hoje a Varig está inadimplente com as empresas de leasing, que ameaçam arrestar aeronaves. Mas, caso a proposta do presidente da TAP, Fernando Pinto, seja bem-sucedida e receba o apoio das credoras, a Varig poderá não só aliviar seu fluxo de caixa como fazer novas operações de leasing. Neste caso, a TAP entraria como avalista. Para ter sucesso nas negociações, Pinto aposta em sua credibilidade como um executivo que conseguiu melhorar consideravelmente as contas da TAP, embora a empresa ainda enfrente dificuldades. Soma-se a isso o fato de que Pinto, que presidiu a Varig de 1996 a 2000, é também presidente da Associação das Companhias Aéreas da Europa (AEA).

Além da operação de renegociação das dívidas com credores privados e conversão de dívidas em ação, as negociações com a TAP envolvem acordos operacionais, incluindo a realização de vôos compartilhados. "Uma proposta desta natureza precisa do envolvimento total do presidente da República, pois abrange questões de soberania nacional", alerta a presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) Graziella Baggio. "Um acordo com uma estrangeira pode levar a perda de linhas e de receita externa para o País."

O início de conversas com a TAP foi a primeira medida concreta da nova administração da companhia, sob o comando de Zylbersztajn e do presidente-executivo, Henrique Neves. Apesar de não fazer frente à necessidade imediata de capitalização da empresa, a proposta foi considerada a melhor dentre as quase uma dezena apresentadas à Fundação Ruben Berta.

A operação TAP e Varig conta com a bênção dos governos dos dois lados do Atlântico. Antes da divulgação de um memorando de entendimentos entre as duas aéreas, enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 14 de maio, o primeiro-ministro português, José Sócrates Pinto de Sousa, ligou para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para saber a posição do governo brasileiro. Lula disse que via com bons olhos a proposta e recomendou ao interlocutor que procurasse o vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, que recebeu depois a visita de dois ministros portugueses bastante entusiasmados.

Com um patrimônio líquido negativo de R$ 6,4 bilhões, excluindo outros quase R$ 3 bilhões em contingências, a Varig pode ganhar apenas um pequeno fôlego se conseguir renegociar dívidas com credores privados. O principal problema continua em Brasília. E só o tempo dirá qual o impacto da escolha de um time de administradores ligados, direta ou indiretamente, ao PSDB. A avaliação de analistas qualificados do mercado é de que a conexão tucana tente a politizar o debate.

O governo e as estatais Banco do Brasil, Infraero e Petrobrás são credores de 63% de uma dívida de R$ 5,6 bilhões (R$ 3,6 bilhões). Além de não atender os velhos e incontáveis apelos da companhia de alongamento do prazo de pagamento de dívidas e obrigações correntes com estatais, o governo não dá sinais de abertura para negociar o chamado encontro de contas.

A empresa ganhou na Justiça o direito de ser ressarcida por perdas provocadas por planos econômicos passados - uma conta estimada em R$ 3 bilhões.

Semana passada, munidos do memorando de entendimentos com a TAP, o novo time de administradores da Varig fez um périplo por Brasília para tentar sensibilizar o governo a alongar prazos e dar crédito. Ao menos nessa primeira rodada, porém, não obtiveram muito sucesso. Ainda que Alencar tenha demonstrado publicamente seu otimismo com a solução de mercado chamada TAP, Infraero, Banco do Brasil e Petrobrás se mantiveram irredutíveis. O banco teria até, segundo fontes na empresa, anunciado uma redução de sua exposição à Varig em US$ 20 milhões.

Com um faturamento de R$ 8,9 bilhões, a Varig é praticamente o dobro da TAP. Como parte de um plano de reestruturação que foi capaz de reverter um prejuízo de R$ 2,8 bilhões em 2002 para apenas R$ 87 milhões no ano passado, a empresa tem perdido participação de mercado, mas aumentado sua rentabilidade. A empresa foi ultrapassada pela Gol em abril, mas ainda está à frente no acumulado do ano, com 30% de mercado, contra 25% da concorrente.

Em contrapartida, o custo operacional dividido pelo total de assentos oferecidos por quilômetro, o chamado CASK, foi de R$ 0,17 - melhor do que o da líder TAM (R$ 0,20) e bem próximo da Gol (R$ 0,16), empresa que opera no conceito de baixo custo. Caso a empresa venha a perder ainda mais participação, isso poderá comprometer sua operação internacional, que depende da alimentação no mercado doméstico. O grande desafio, portanto, é voltar a crescer com rentabilidade, questão que, ao menos no curto prazo, passa mais por uma injeção de capital do que por um choque de gestão.