Título: Grampo que originou crise foi feito por ex-agente do SNI
Autor: Expedito Filho , João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2005, Espaço Aberto, p. A2

Uma licitação vencida pela empresa HHP do Brasil Ltda. para a venda de 13.910 laptops aos Correios, e anulada pelo então diretor de Administração, Antônio Osório, indicado pelo PTB, foi a razão que levou PMDB, PTB e até mesmo o PT a pôr o governo no centro de sua crise política mais grave desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) destinada a investigar as suspeitas de corrupção nos Correios deve ser instalada na quarta-feira, embora o governo ainda tenha esperanças de impedir seu funcionamento. A licitação refere-se ao pregão n.º 059/2004, no valor total de R$ 34,56 milhões, à qual o Estado teve acesso. O capitão da reserva da Polícia Militar de Minas Gerais José Santos Fortuna Neves, um ex-araponga do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), filiado ao PMDB e amigo do líder do partido no Senado, Ney Suassuna (PB), grampeou o chefe do Departamento de Contratações da estatal, Maurício Marinho, para forçar a revalidação do negócio. Estava registrado o escândalo.

Com a fita da gravação, o ex-capitão, conhecido no mundo da arapongagem pelos codinomes de "Doutor Ramos" no Pará, "Coronel Fortuna" em Brasília, e "Doutor Neves" em São Paulo, tentou chantagear o deputado Roberto Jefferson (RJ), presidente do PTB, principal padrinho de Osório, um dos responsáveis por cancelar a licitação. Como não houve acordo entre as partes, a fita de 1 hora e 56 minutos acabou sendo entregue à revista Veja, que divulgou reportagem sobre o caso esta semana.

A fita, entretanto, já circulava em todas as instâncias de investigação do governo federal havia pelo menos três semanas. Foi mostrada ao diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, e a outros delegados, e notícias dela atravessaram a Esplanada dos Ministérios para bater nos ouvidos do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, como um futuro escândalo que abalaria o governo. Thomaz Bastos chegou a levar a notícia da existência do grampo ao presidente Lula.

Antes da chantagem, o coronel Fortuna procurou o presidente da Associação Comercial de Brasília, Sérgio Kofss, para tentar um encontro com o ministro das Comunicações, Eunício Oliveira, do PMDB. Mas o ministro se recusou a recebê-lo. "Com esse eu não quero papo", teria dito Eunício, de acordo com relato do próprio Kofss a um amigo.

CONVERSA

Ainda antes da divulgação da fita, outro personagem do grampo, conhecido por Comandante Molina - hoje a PF tem certeza de que a fita foi gravada por dois arapongas - procurou Jefferson em Belém, durante um encontro sobre exploração sexual de crianças e adolescentes. Na terça-feira, quando discursou na Câmara para se defender da acusação de comandar a rede de corrupção nos Correios, o próprio deputado do PTB contou que convidou Molina a sentar-se à sua mesa. E, quando ouviu deste o pedido para que intermediasse conversa com Osório, disse que respondeu assim: "Sou presidente de um partido. Não faço negócios. O senhor fale com o Osório."

Durante boa parte de abril, Jefferson foi procurado por Molina, em seu gabinete, no segundo andar do Anexo 4 da Câmara. Todos os telefonemas foram registrados pelo serviço de identificação de chamadas. Posteriormente, segundo Jefferson, Suassuna pediu que ele recebesse um velho companheiro da Marinha. Em 3 de maio, finalmente Molina e Fortuna encontraram-se com Jefferson e voltaram a pedir ajuda para fazer negócios. No fim da conversa, contaram que tinham a fita com as revelações de Marinho, que acusava Jefferson de ser o comandante do esquema de cobrança de propinas.

No discurso que fez na terça-feira, Jefferson mostrou o documento de anulação da concorrência vencida pela HHP do Brasil. Ele afirmou que o grampo não fora motivado por briga política partidária, mas por interesses comerciais contrariados.

A HHP venceu a licitação por ter apresentado, em tese, o preço mais baixo para os laptops. As concorrentes - Comax, Equipa, Omni e Intermec - ficaram inconformadas e anunciaram a intenção de recorrer da decisão. A licitação não foi adjudicada pela pregoeira Marta Maria Coelho. No dia 6 de fevereiro foi "revogada por interesse público".