Título: Operação desabafa
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2005, Nacional, p. A8

Quem perde votação por maioria simples não tem força para barrar nem controlar CPI Parece líquido e certo, está condenada ao fracasso a tentativa do governo de evitar a instalação da CPI dos Correios. E por isso o Palácio do Planalto deveria levantar as mãozinhas aos céus, grato aos seus que não aderiram à operação-abafa, cujos resultados até agora tornariam mais adequado chamá-la operação-desabafa.

O requerimento de instalação da CPI já conta com as assinaturas de 60% do Senado e 40% da Câmara. Junte-se a essa rápida e volumosa adesão à comissão de inquérito a visão de fora do Congresso de saturação com os acobertamentos de sempre, veremos que a tentativa é um ato não só arriscado, mas de feição suicida.

Por ora o excedente de assinaturas do requerimento beira a 70 deputados e senadores. Em dois dias de labuta intensa, o ministro José Dirceu, o comandante-chefe dessa batalha, conseguiu a desistência de 5 deputados. Mantido o ritmo, sem nenhum revés, levaria 28 dias para alcançar o objetivo.

A menos que o presidente do Senado se integre ao combate e adie por 23 dias a leitura do documento marcada para quarta-feira próxima, será tarde.

Aliás, só os estrategistas do mundo da lua não se derem conta de que nunca houve tempo bom para pôr em marcha qualquer ofensiva no sentido de barrar a instalação da CPI.

Se já foi difícil impedir a CPI dos Bingos em 2004 quando o ambiente era muito mais risonho e franco no Congresso e na sociedade - foi preciso o empenho e o sacrifício pessoal do então presidente do Senado, José Sarney -, só o excesso de otimismo e a carência de senso poderiam estimular agora qualquer expectativa de sucesso.

Mais perspicaz que o ministro-chefe da Casa Civil foi o "parceiro" Roberto Jefferson. O deputado sentiu de imediato o rumo dos ventos e apoiou a CPI. Carregou consigo o PTB e boa parte dos parlamentares aliados ao Planalto, mas não foi ele o causador da debandada governista. O deputado apenas enxergou a impossibilidade de resistir com chance de sucesso que valesse o risco.

As dificuldades vêm de trás. De antes do caso Waldomiro Diniz. Começaram quando, aos primeiros sinais de que petistas não tinham uma boa noção de separação entre as coisas públicas e os negócios privados, o presidente Luiz Inácio da Silva - não está claro se por vontade própria ou em atenção aos conselheiros - revelou-se tolerante na questão ética.

Os episódios são vários, da viagem religiosa da então ministra Benedita da Silva custeada pela pasta da Ação Social - considerada por Lula, com resistência, um "erro administrativo" -, passando pelo uso da máquina estatal em favor do PT e de petistas, até a defesa de acusações ou indiferença a acusações logo reveladas consistentes.

Evidentemente, a fidelidade da base parlamentar - principalmente a parcela não-fisiológica dela - tem limites. Nisso inclui-se a decisão de muitos petistas que agora assinaram a CPI e outros que desejam também apoiá-la.

Esse grupo deve satisfações aos respectivos eleitorados, mas deve também um desagravo à própria consciência.

Para não falar apenas daqueles deputados da "esquerda do PT" que vêm manifestando desagrado, mas sem faltar ao governo nos momentos cruciais - na eleição da presidência da Câmara, na votação das reformas do primeiro ano de mandato de Lula -, falemos de senadores como Eduardo Suplicy, Cristovam Buarque, Paulo Paim, Tião Viana e outros que desejam apoiar a CPI dos Correios sem, no entanto, retirar apoio ao governo.

Na lógica da coalizão pela via da coerção, essas pessoas são traidoras ou, na melhor das versões circulantes, "ingênuas", pois no dizer de próceres palacianos, "não percebem" que estão sendo usadas como massa de manobra da oposição para ferir de morte o projeto da reeleição.

Ora, por favor, o desprezo ao discernimento alheio também requer limites.

Senadores e deputados do PT sabem, talvez melhor do que qualquer político neste país, ao que se têm prestado determinadas comissões parlamentares de inquérito.

Mas, até por experiência na militância do outro lado do balcão, também percebem a proximidade da fronteira do abismo. Às vezes - e é agora o caso - governos perdem mais na resistência que na aceitação de certas evidências.

E estas no momento mostram com toda clareza a improbabilidade de o Palácio do Planalto impedir a realização ou mesmo controlar os rumos dessa CPI.

Se o governo não consegue vencer votações de maioria simples, não administra recuos em derrotas minúsculas (a recente indicação de um deputado para ministro do Tribunal de Contas da União, por exemplo), como acreditar no sucesso de uma empreitada quer requer a imolação em praça pública de 70 parlamentares?

Mas, vamos que daqui até quarta-feira próxima consiga realizar a missão à primeira vista impossível. Será a vitória mais desastrosa, e talvez a definitiva, que já se terá visto no Congresso. Para ambas as partes.

Executivo e Legislativo precisarão explicar à opinião pública as bases do monumental acordo.

E não poderão esquecer de mostrar ao público pagante o tamanho da conta, cujo acerto será feito na eleição em bases bastante mais desfavoráveis que o custo de uma inevitável CPI.