Título: Corrupção parece aumentar quanto mais é investigada
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2005, Nacional, p. A12

A impressão de que a corrupção aumenta no Brasil é resultado de uma agenda que caminha na direção contrária, dotando o País de mecanismos para detectar e prevenir a corrupção, afirma a cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, da USP. Nos últimos 15 anos, observa, as instituições brasileiras ativaram muitos instrumentos eficazes para barrar a corrupção, como a imprensa, as ONGs e o Ministério Público. Mas a ação permanente deles - que é saudável - dá a idéia de que a corrupção está presente em tudo. Hermínia acha que os partidos políticos contribuíram para essa impressão ruim. O PT, porque incluiu a corrupção em sua agenda oposicionista e depois não soube lidar com ela quando chegou ao governo; PSDB e PFL porque estão repetindo o erro petista, ao elegerem uma agenda de corrupção, em detrimento de temas mais importantes. Eis a entrevista:

O político brasileiro é mais corrupto que os de outros países?

Nada confirma isso. Em todo o mundo, a corrupção é muito disseminada e muito associada à vida política. No processo de construção da democracia nos EUA, por exemplo, houve um grau muito elevado de corrupção. Nada me faz crer que o político brasileiro seja mais corrupto que os de outros países. As diferenças estão nos mecanismos que os sistemas políticos adotam, uns para dar o sinal de alerta, outros para barrar os pontos por onde a corrupção flui.

A percepção do brasileiro para a corrupção tem um ponto de inflexão importante?

O tema da corrupção sempre freqüentou o debate político brasileiro, em geral associado a crises políticas importantes. Em períodos recentes, o grande momento de inflexão foi o fim do governo Collor, quando esse tema foi um elemento importante no desencadeamento da crise política. Depois, não saiu mais da agenda.

O que fez com que ele permanecesse vivo?

Certamente foi o fato de que, de lá para cá, as instituições brasileiras ganharam cada vez mais instrumentos para emitir os sinais de alerta nos casos de corrupção. A imprensa, o Ministério Público, as organizações não-governamentais agiram muito, a criação da Controladoria-Geral da União, tudo isso ajudou. O próprio PT influenciou, porque incluiu a corrupção no seu discurso oposicionista de forma intensa, como fez a UDN no passado. Tudo isso ajudou a aumentar a sensibilidade da sociedade para a questão da corrupção. A democracia brasileira tem criado mecanismos para lidar com a corrupção, mas, como o tema está sempre na agenda, parece que a corrupção está aumentando. De um lado, isso ativa o mecanismo de alerta, mas por outro leva a um certo desapontamento com as instituições e favorece essa percepção exagerada, mas muito comum nos cidadãos, de que nenhum político presta.

A estrutura burocrática brasileira favorece a corrupção?

O Estado brasileiro tem um número excessivo de cargos de comissão. É óbvio que o segundo escalão do ministério tem de mudar quando o governo muda, e isso é saudável. Desfaz as redes, desencabeça as patotas. Essa é a face boa da alternância no poder. Na Itália e na Venezuela os partidos políticos ficaram muito tempo no poder e o sistema político desabou por falta de alternância. Mas eu me pergunto por que a chefia de um departamento dos Correios tem de mudar a cada governo...

Isso é um sinal de corrupção?

A idéia de que, para compor um governo, você tem de negociar todos os cargos não necessariamente redunda em corrupção, mas aumenta a descrença no sistema político. A estrutura burocrática do Estado brasileiro é aberta demais. Há algo dentro do aparelho de Estado que precisa ser transformado. O número de cargos à disposição do primeiro-ministro inglês ou do presidente dos EUA é infinitamente menor.

Uma alta burocracia estável não favoreceria as "igrejinhas"?

Pode ocorrer. Você tem de manter os mecanismos de alerta e prevenção. Mas certamente será menos doloroso extirpar os problemas: tratar um caso de corrupção exigirá um inquérito administrativo ou policial, mas nunca desaguará numa crise político-institucional.

A CPI dos Correios se justifica?

A CPI é um instrumento de investigação, algumas foram importantes. A utilização da CPI como meio de luta política - PT, no passado, PSDB e PFL, agora - bloqueia o processo decisório. PSDB e PFL estão se comportando como o PT se comportava na oposição. Quando pedem a CPI, PSDB e PFL estão dizendo que a questão mais importante da agenda política é a corrupção. É o que o PT fazia. Não acho que a questão mais importante da agenda política seja a corrupção. Existem muitos assuntos que pedem amplos debates.

Os dois principais partidos não têm agendas muito próximas?

Talvez o fato de as agendas serem tão próximas contribua para transformar a corrupção num instrumento importante, porque é contundente e acaba se transformando num possível fator de diferenciação da agenda. Mas não é positivo, porque contribui para deteriorar a imagem do sistema político.

Não existe, da parte de PSDB e PFL, a idéia de macular a última vestal da moralidade?

Sem dúvida. Acho que não foi bom para o PT construir a sua imagem dessa forma. A política é mais dura, é mais chã do que isso. Depois, foi para o poder e teve de sentar para negociar cargos... O sistema é complexo, você não consegue controlar as indicações todas... Do ponto de vista eleitoral, a opção ajudou - o PT ganhou. Mas depois teve de lidar com o Brasil real. A oposição, agora, está caindo na mesma chave.