Título: Lula decide reter maior parte do excesso de arrecadação
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2005, Nacional, p. A20

Dois dias depois de ter prometido mais verbas para a reforma agrária, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cedeu às argumentações da equipe econômica e decidiu segurar em caixa a maior parte do excesso de arrecadação de R$ 5,7 bilhões obtido no primeiro quadrimestre do ano. Em tese, com a folga obtida até abril, o governo poderia liberar mais R$ 4 bilhões para os ministérios gastarem, mas a Junta Orçamentária optou por desbloquear menos de 20% desse valor.

A decisão frustra as expectativas não só dos ministérios da área social, como principalmente da área de infra-estrutura. Nos quatro primeiros meses do ano, de acordo com dados coletados pela assessoria do líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP), o governo liquidou apenas R$ 186 milhões dos R$ 21,6 bilhões autorizados no orçamento. Mesmo quando somados pagamentos de despesas de 2004 (os chamados restos a pagar), a cifra não passa de R$ 1,17 bilhão - menor do que o R$ 1,36 bilhão registrados no mesmo período do ano passado.

No último mês, o governo chegou a empenhar (formalmente assumir o compromisso de realizar a despesa) cerca de R$ 1 bilhão para os investimentos na área de transporte negociados com o Fundo Monetário Internacional (FMI), mas a liberação efetiva de dinheiro para as empreiteiras (referente a obras mais antigas) continua feita a conta-gotas. Em áreas como habitação, os recursos não estão nem mesmo sendo empenhados, segundo o PSDB.

O aperto fiscal mostra que o governo Lula trabalha, na prática, para obter um superávit primário (economia de receita para pagamento de juros) superior aos 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) declarados como meta oficial. Em 2004 ocorreu o mesmo e só no fim do ano o governo assumiu publicamente que estava elevando a meta para 4,5% do PIB.

O relatório com as novas estimativas de receitas e despesas para 2005 deve ser concluído neste final de semana e assinado pelo presidente antes de viajar para a Ásia, amanhã. As receitas serão revistas para cima, mas não na mesma magnitude do ganho de arrecadação obtido no primeiro quadrimestre. As projeções de despesas obrigatórias como Previdência, Lei Orgânica de Assistência Social e gastos de pessoal também devem subir. Assim, sobram menos recursos para ser liberados para as chamadas despesas discricionárias, como investimento e custeio da área social. O valor global que permanece bloqueado no orçamento é R$ 16 bilhões, mas o contingenciamento "financeiro" é maior ainda: cerca de R$ 19 bilhões.