Título: Foto de Saddam provoca indignação
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2005, Internacional, p. A22

Uma foto do ex-presidente iraquiano Saddam Hussein de cuecas na prisão, publicada ontem na capa de jornais sensacionalistas dos EUA e da Grã-Bretanha, provocou indignação no Iraque. Advogados de Saddam disseram que vão pedir indenização de US$ 1 milhão aos jornais e a Cruz Vermelha Internacional condenou a exposição humilhante de um preso (ler ao lado). Na foto da primeira página do jornal americano The New York Post e do britânico The Sun - ambos de propriedade do magnata australiano Rupert Murdoch -, o ex-ditador aparece diante de uma porta fechada, que poderia ser a de sua cela, segurando as calças. O Sun, o jornal mais vendido na Grã-Bretanha, deu como título "Tirano de cuecas". Em outras imagens, em páginas internas, Saddam está lavando suas calças, dormindo e caminhando num local descrito como o pátio da prisão.

O Sun e o New York Post afirmaram ter obtido o material com fontes militares americanas, que as entregaram "na esperança de aplicar um duro golpe na resistência" no Iraque. "É importante que o povo do Iraque o veja dessa maneira para destruir o mito", teria dito a fonte, segundo o Sun. O tablóide britânico informou que hoje estampará novas fotos dele.

Temendo a repetição do ultraje causado pelo escândalo de Abu Ghraib (ler abaixo), os chefes militares dos EUA negaram imediatamente ter entregado as fotos para os jornais e anunciaram uma exaustiva investigação para descobrir como elas vazaram para a imprensa. "Estas fotos foram feitas em clara violação das diretrizes do Departamento de Defesa (Pentágono) e possivelmente da Convenção de Genebra para tratamento de indivíduos presos", assinalou o Pentágono num comunicado. Os militares querem descobrir se foram tomadas por uma câmera instalada pela prisão para observar Saddam ou pela máquina fotográfica de alguém do reduzido grupo com acesso ao local.

Jornalistas perguntaram ao presidente dos EUA, George W. Bush, se considerava que as fotos poderiam provocar protestos violentos no mundo muçulmano, como os motivados por uma notícia recente sobre a profanação do Alcorão na prisão de Guantánamo. "Não acho que as fotos estimularão os assassinos (a insurgência)", comentou Bush, procurando minimizar sua importância. "Essas pessoas (os rebeldes) são motivadas por uma visão do mundo retrógrada e bárbara."

Um militar americano em Bagdá, familiarizado com o local onde Saddam é mantido preso, disse à TV a cabo CNN que as fotos parecem ter sido feitas entre janeiro e abril de 2004, quando ele ainda estava sob custódia militar dos EUA, como prisioneiro de guerra. O ex-presidente foi capturado por soldados dos EUA em dezembro de 2003. Sua custódia legal foi transferida ao governo provisório do Iraque em junho do ano passado, mas ele continua sob a guarda de americanos, em local não divulgado (provavelmente uma base militar perto de Bagdá).

Vários comentaristas políticos do mundo árabe concluíram que as fotos podem estimular o sentimento antiamericano na região e ser encaradas como um insulto e uma afronta. Mas no Iraque as imagens provocaram distintas reações, numa amostra da divisão em que o país está mergulhado. Iraquianos formaram grupos diante de TVs em locais públicos para ver as imagens.

"É um insulto mostrar o ex-presidente em tal condição. Saddam agora pertence ao passado. Então, qual a razão disto? É um mau trabalho da mídia. Querem degradar o povo iraquiano?", reagiu, irado, o comerciante Abu Barick, de Bagdá. Mas o curdo Hawree Saliee se sentiu vingado. "Saddam e seu regime eram sanguinários e praticaram matanças contra o povo. Portanto, se ele for fotografado nu ou lavando roupas, isso não significa nada para mim. É o mínimo que ele merece."

O advogado francês Emmanuel Ludot, da equipe de defesa de Saddam, disse que entrará com uma ação pedindo indenização de US$ 1 milhão aos jornais e acusou os americanos de ter interesse na divulgação das imagens, para desmoralizar Saddam antes de seu julgamento, ainda não marcado.

Algumas TVs do mundo árabe, como Al-Jazira, do Catar, e Al-Manar, do Hezbollah, no Líbano, se recusaram a mostrar as imagens, por considerá-las "antiéticas" e "revoltantes".