Título: 'Agi contra meus princípios, mas como soldado'
Autor: Haim Watzman
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2005, Internacional, p. A27

Haim Watzman, autor de 'Company C: An American's Life as a Citizen-Soldier in Israel', escreveu para 'The New York Times' Em maio de 1988, vários meses depois do começo da primeira intifada, fui chamado da reserva para uma missão com minha unidade de infantaria, que deveria passar algumas semanas perto de Hebron, na Cisjordânia. Eu era um leal oponente da ocupação da Cisjordânia por Israel porque acreditava que não era politicamente inteligente nem moralmente insustentável. Então, minha reação instintiva foi me recusar a servir, como outros reservistas de esquerda fizeram então e fazem agora. Hoje, centenas de soldados religiosos das Forças de Defesa de Israel assinaram declarações dizendo que se recusam a servir se chamados a desmantelar assentamentos israelenses na Faixa de Gaza e Cisjordânia. Posso até simpatizar com ambos os grupos de opositores de consciência.

Como os primeiros, me oponho à ocupação. Como estes últimos, sou um judeu ortodoxo que acredita que Deus deu a terra de Israel para o povo judeu. Como os soldados da esquerda, sei que o serviço militar nos territórios pode envolver escolhas morais difíceis e ações que causam grande sofrimento aos civis palestinos. Como os soldados à direita, sei que remover colonos de suas casas será horrivelmente traumático.

Mas ambos os lados estão errados. Eles devem servir apesar das profundas objeções às políticas que são chamados a defender. Em 1988, depois de muita agonia, me apresentei. Foi a decisão certa naquele momento e é agora.

Durante as duas semanas que passei perto de Hebron, me descobri tratando palestinos com o desrespeito que contradizia todo instinto que o modo como fui criado instilou em mim. Eu entrei em lares depois da meia-noite e mantive mulheres e crianças sob vigilância enquanto meus camaradas buscavam por terroristas ou explosivos. Eu gritava com velhos e provocava os jovens.

Um punhado dos meus amigos de unidade pareciam gostar de maltratá-los. Mas a maior parte deles, incluindo os a favor do domínio israelense na Cisjordânia, estava tão confusa quanto eu.

A maioria dos meus companheiros não via nada de errado em Israel construir uma cidade judaica no meio da Cisjordânia. E tivemos uma boa impressão dos colonos. Eram amistosos, idealistas e corajosos. Apesar de nossa presença, os colonos ainda eram ocasionalmente atacados pelos habitantes do vilarejo.

Alguns colonos pediam que tratássemos os palestinos com mais dureza do que nossas ordens permitiam. Dávamos a eles a mesma resposta que dávamos aos palestinos que nos perguntavam por que os incomodávamos. Temos ordens e obedecemos a elas, não aos palestinos ou aos colonos.

Obedecíamos porque só a disciplina poderia manter unida nossa companhia tão heterogênea. Alguns de meus colegas oficiais acreditavam que nossas ordens não eram estritas o suficiente. Eu acho que eram rígidas demais. Se cada um de nós agisse de acordo com sua opinião, o resultado seria a anarquia. A violência aumentaria e as pessoas morreriam.

A paz futura depende da ordem presente. Se me recusasse a servir na Cisjordânia quando meu governo estava levando a cabo uma política que eu achava ser errada, criaria um precedente. Outros soldados poderiam então alegar o direito de recusar-se a atuar no desmantelamento de assentamentos se um futuro governo de Israel assim decidisse. Numa democracia, um Exército não pode ser um parlamento. É composto de cidadãos, mas esses soldados cidadãos devem agir coletivamente para levar adiante as decisões dos eleitos pela maioria.

Isso não significa que soldados devam desistir de suas opiniões e crenças quando se alistam. Há momentos em que um soldado recebe uma ordem tão claramente maldosa ou ilegal que deve se recusar a obedecê-la. Na verdade, a lei israelense exige que ele desobedeça tais ordens - por exemplo, uma ordem para assassinar civis desarmados.

Mas esse tipo de caso é raro. Entrar em lares palestinos em busca de terroristas assusta as famílias que moram neles, mas não está no mesmo plano moral de um assassinato. Entregar um pedaço da terra bíblica de Israel para outra pessoa é inaceitável para qualquer judeu devoto, mas isso também não se compara com a morte de outra pessoa.

Os soldados que se opõem à ocupação ou à retirada têm o direito e o dever de lutar por mudança, mas só quando estão sem uniforme. Em agosto, Israel vai, pela primeira vez, retirar assentamentos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Isso não vai criar paz. É apenas um passo em um longo processo.

Não sou mais um reservista, então não vou enfrentar a difícil tarefa de evacuar famílias israelenses de seus lares. Aos soldados que dizem que vão recusar ordens de remover colonos, eu peço: pensem duas vezes.

Lembrem que soldados que acreditavam que os assentamentos eram errados se apresentaram ano após ano para protegê-los e garantir a ocupação. Provamos ser israelenses leais e soldados responsáveis. Agora, é a vez de vocês.