Título: Bush contra testes com célula-tronco
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2005, Vida &, p. A28

O presidente americano, George W. Bush, deixou claro ontem que não apoiará a expansão das pesquisas com células-tronco embrionárias nos Estados Unidos, apesar dos avanços anunciados por cientistas coreanos. Com um estudo publicado na revista Science - que é americana -, eles consagraram-se os primeiros a produzir linhagens de células-tronco embrionárias humanas clonadas de pacientes doentes (a chamada clonagem terapêutica). No que depender de Bush, entretanto, o país líder em pesquisa e responsável por mais de 30% do conhecimento científico produzido no mundo continuará a condenar as pesquisas com embriões humanos. Já estragando a festa de parlamentares que esperam levar ao Congresso na semana que vem um projeto de lei flexibilizando as restrições federais sobre pesquisas com células-tronco, Bush disse que vetará qualquer proposta nesse sentido. "Eu já deixei muito claro para o Congresso que o uso de verbas federais, dinheiro do contribuinte, para promover uma ciência que destrói vidas para salvar outras(...) Eu sou contra", disse, em entrevista na Casa Branca. "E, portanto, se o projeto levar a isso, eu vetarei."

Desde 2001, o financiamento federal para pesquisas com células-tronco estão limitadas a algumas dezenas de linhagens preexistentes. A restrição é significava, já que a maior parte da ciência pública nos EUA é feita com recursos federais. Além disso, a produção de células-tronco por meio da clonagem, como fizeram os coreanos, é proibida. "A clonagem me preocupa muito", disse Bush, reagindo ao estudo asiático.

Cientistas ao redor do mundo, por outro lado, elogiaram a façanha coreana, comandada por Woo Suk Hwang, da Universidade Nacional de Seul. Em fevereiro do ano passado, sua equipe já havia se firmado como a primeira a produzir embriões humanos clonados, com o intuito de obter células-tronco embrionárias para pesquisa. O trabalho publicado ontem materializa essa promessa. A partir de um novo round de clonagem embrionária - dessa vez usando as células de pacientes doentes -, Hwang estabeleceu 11 linhagens de células-tronco.

A intenção é utilizar essas células para o estudo e, eventualmente, o tratamento das respectivas doenças. A grande vantagem é que, por serem clonadas e não derivadas dos embriões de outras pessoas, elas carregam o mesmo DNA do paciente. O que elimina o risco de rejeição no caso de um transplante. Nove das 11 linhagens foram derivadas de pacientes com lesões na medula espinhal. Nesse caso, por exemplo, as células-tronco poderiam ser transformadas em neurônios e transplantadas para regenerar as regiões lesionadas.

As outras duas linhagens foram clonadas de um garoto de 2 anos com imunodeficiência e de outro, de 6 anos, com diabete tipo 1. Nesses casos, como são doenças de origem genética, as células-tronco precisariam ter o defeito corrigido antes de serem transplantadas. Mas podem ser extremamente úteis para o estudo do mecanismo biológico dessas doenças em laboratório.

Os pesquisadores deixam claro que sua intenção é exclusivamente a pesquisa terapêutica com células-tronco. Ou seja: nenhum embrião será transferido para o útero de uma mulher com o intuito de produzir uma pessoa clonada.

FINANCIAMENTO

O estudo coreano, segundo Hwang, foi financiado com menos de US$ 200 mil por ano em recursos de origem governamental. O pesquisador disse que os cerca de US$ 2 milhões disponibilizados a ele este ano foram distribuídos entre 20 equipes que trabalham em diferentes projetos sob sua supervisão. "O valor que foi aplicado na pesquisa das células-tronco foi cerca de um décimo desse total", explicou.

Esse custo seria equivalente a aproximadamente um centésimo dos recursos disponíveis para pesquisadores americanos que trabalham com projetos semelhantes, segundo o conselheiro presidencial para assuntos de ciência e tecnologia da Coréia do Sul, Park Ky-young. Hwang disse que sua equipe buscará oportunidades de parcerias internacionais para a continuidade das pesquisas. O estudo de ontem teve um único autor americano: Gerald Schatten, da Universidade de Pittsburgh, que atuou como consultor.

Aproveitando o momento, pesquisadores britânicos da Universidade de Newcastle também anunciaram a produção de embriões humanos clonados - o mesmo que fizeram os coreanos em 2004. Os resultados ainda precisam ser publicados.