Título: Emergentes - turma 2005
Autor: Otaviano Canuto
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2005, Economia, p. B2

As economias emergentes, inclusive o Brasil, não parecem mais as mesmas. Apesar da gradual elevação dos juros norte-americanos desde maio do ano passado, manteve-se em geral a melhora anterior dos prêmios de risco dos emergentes. No mesmo sentido, atravessaram relativamente incólumes à turbulência dos mercados de risco nas últimas semanas - associada ao rebaixamento de ratings da GM e da Ford e às dúvidas quanto à saúde dos derivativos de crédito e dos fundos de hedge. Para entender é preciso levar em conta dois fatores. Primeiro, o perfil dos participantes naqueles mercados vem mudando desde o período das crises em série. A base de investidores se tornou mais ampla e diversificada e com maior presença de portfólios especializados apostando em ganhos mediante análise de fundamentos. Diminuiu o peso dos operadores dedicados à volatilidade e à exploração de assimetrias de informação entre participantes.

Trata-se de uma graduação das economias emergentes como classe específica de ativos na alocação global de portfólios. Em grande medida, essa evolução reflete a percepção de que o mundo está numa fase longa de baixas taxas reais de juros no centro avançado. Supondo-se que os atuais desequilíbrios no crescimento da economia global não venham a se desdobrar em "aterrissagem forçada", muitos crêem que a liquidez internacional abundante não será completamente enxugada na seqüência da conjuntura. A ampliação dos portfólios "fundamentalistas", nos mercados emergentes, reflete um caráter mais sistemático da busca de retornos mais altos.

Os mercados emergentes continuam sujeitos à interação de duas forças que geram volatilidade quando não são convergentes. De um lado, fazem-se presentes determinantes "de cima para baixo", ou seja, de origem externa aos ativos em particular - contágio de turbulências geradas alhures, mudanças na aversão a riscos. De outro, atuam as informações "de baixo para cima", geradas pelos fundamentos dos ativos. A volatilidade e a vulnerabilidade dos mercados emergentes, contudo, tendem a cair com a presença crescente de investidores dedicados a este segundo tipo de informação.

O segundo fator a explicar a evolução recente dos mercados emergentes vem deles próprios e interagiu favoravelmente com a mudança na base de investidores. É predominante a avaliação de que os fundamentos de grande parcela dessas economias melhoraram substancialmente desde as crises, num processo que transcende a atual conjuntura.

Tome-se o caso do Brasil e de alguns outros países latino-americanos. A percepção é que ocorreu um fortalecimento de políticas e instituições adequadas, particularmente com o apoio político doméstico a políticas macroeconômicas mais saudáveis. A vulnerabilidade a choques externos se reduziu com a superação das âncoras cambiais, dos déficits em conta corrente e das baixas reservas. A fragilidade fiscal diminuiu com a reversão de trajetórias explosivas na dinâmica da dívida pública doméstica. Os sistemas bancários locais estão sólidos e dispõem de regulação aperfeiçoada. Além disso, algumas reformas estruturais com potencial de gerar aumentos de produtividade têm sido implementadas ou estão na agenda.

O Brasil e outros países sul-americanos têm sido favorecidos pelas mudanças estruturais na composição do crescimento global, usufruindo da China como "cliente", e não como "competidor". No caso brasileiro, em particular, o dinamismo recente das exportações de manufaturados também tem reforçado a percepção de maior competitividade estrutural.

Caso os derivativos de crédito superem sem grande tombo a atual fase de dúvidas, sairá reforçada a crença de que as inovações financeiras dos últimos anos aumentaram a resistência a choques nas finanças globais. Na hipótese também de ausência de colapso do dólar e/ou de choques de juros norte-americanos, a alavancagem de portfólios continuará estimulando a exposição a ativos de economias emergentes com fundamentos considerados sólidos.

Conclusão: ainda que seja difícil evitar alguma volatilidade em mercados emergentes no futuro próximo, até por ser improvável se manter a conjuntura internacional tão excepcionalmente favorável, a dinâmica deverá ser predominantemente de "baixo para cima", a partir dos fundamentos. Pode-se imaginar um foco crescente no suporte político doméstico a políticas e instituições sólidas, especialmente à medida que se aproxima a fase eleitoral na região.

*Otaviano Canuto, diretor-executivo no Banco Mundial e professor (licenciado)

da FEA-USP, foi secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda.