Título: Saldo com a China pode virar déficit
Autor: Nilson Brandão Junior
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2005, Economia, p. B4

Depois de encolher 27,5% em 2004, o superávit comercial do Brasil com a China deverá despencar 54% este ano e o resultado vai se transformar em déficit comercial provavelmente já em 2006. A projeção é da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Para a entidade, depois de consolidar as vendas para os Estados Unidos e Europa, a China "está voltando as baterias" para a América do Sul. "Enquanto o ritmo das nossas exportações para lá estão caindo, a deles está crescendo", diz o vice-presidente executivo da AEB, José Augusto de Castro. No ano passado, o saldo favorável ao Brasil foi de US$ 1,730 bilhão, ante US$ 2,385 bilhões em 2004.

A projeção para 2005 é de US$ 800 milhões. No primeiro quadrimestre deste ano, as importações brasileiras da China cresceram a uma velocidade 15 vezes maior do que a das exportações.

Enquanto os chineses registram avanço de 58,2% sobre o mercado brasileiro, as vendas ao parceiro aumentaram apenas 3,9%. As explicações para o forte desempenho da China são o câmbio fixo e desvalorizado por política governamental, mão de obra "baratíssima" e "um subsídio que existe, mas não há como quantificar", além de condições favoráveis de pagamento, comenta o vice-presidente da AEB. "A China é muito agressiva comercialmente", afirma.

MERCADOS

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) iniciou estudo para identificar os setores nacionais afetados pelas vendas chinesas, que tem aumentado muito desde o ano passado.

Uma das conclusões preliminares indica que, num grupo de segmentos, a China aumenta vendas para o Brasil ganhando mercado sobre outros países. Em outras áreas, as compras do país asiático crescem deslocando produtores nacionais.

Fernanda De Negri, economista do Ipea, explica que o problema ocorre quando a entrada dos produtos chineses prejudica a produção local.

É o caso do setor de tecelagem, que fica dentro do setor têxtil, assim como dos calçados. Em outros, como o de eletroeletrônicos e de tecidos e artigos de malha, os chineses deslocam concorrentes internacionais que também vendem para o Brasil.

Ela concorda que o País pode voltar a ter déficits comerciais com a China. "É possível que isso aconteça. Mas em muitos setores não é necessariamente um prejuízo à indústria local. O crescimento chinês é em cima de outros concorrentes", diz a economista.

CONCORRÊNCIA

O vice-presidente da AEB argumenta que os grandes setores intensivos em mão de obra no Brasil são diretamente afetados pela concorrência chinesa, porque o custo salarial é muito inferior no país oriental. O setor brinquedos também se queixa da invasão de produtos chineses.

Castro explica que a tendência é de reversão dos saldos positivos. O último déficit comercial com a China foi em 2001.

Ele explica que a pauta de exportação brasileira, dominada por produtos básicos e commodities, é mais estática.

Já a oferta chinesa, com predomínio de manufaturas, tem evolução mais dinâmica.

E ainda há o agravante de que, além do preço, a China também já está oferecendo qualidade e tecnologia, alerta o executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil.