Título: Argentina admite que incomoda
Autor: Sheila D'Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/05/2005, Economia, p. B6

O ministro das Relações Exteriores da Argentina, Rafael Bielsa, reconheceu ontem que seu país "é um sócio incômodo e pouco confortável" do Brasil. "Mas não é um sócio caprichoso", ressalvou. Segundo ele, as reivindicações da Argentina correspondem às necessidades de sua população. "Não há irracionalidade na posição argentina. Há necessidades. E o Brasil compreende isso." O chanceler argentino fez esse comentário ao ser insistentemente questionado se a Argentina se comprometeria a não adotar medidas protecionistas (salvaguardas) contra o Brasil enquanto durarem as discussões, iniciadas ontem, para pôr fim às pendengas comerciais entre os dois países.

Bielsa passou o dia de ontem em Brasília e, após reunião com o chanceler brasileiro, Celso Amorim, os dois anunciaram "um programa ambicioso de aprofundamento" da integração das economias. O programa chega uma semana após a crise evidenciada na Cúpula América do Sul-Países Árabes. Irritado, o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, deixou o encontro antes do fim.

Oficialmente, os protocolos que permitirão estreitar o relacionamento serão assinados pelos dois presidentes só em 30 de novembro, e tratarão de temas específicos como cooperação nuclear, espacial, militar, integração produtiva e infra-estrutura e energia. Até lá, não há nenhuma garantia de que os argentinos - que desembarcaram em Brasília com uma lista de 45 pontos para discutir - não vão barrar a entrada de produtos brasileiros no mercado local.

Amorim não quis dizer quais foram as reivindicações argentinas, limitando-se a dizer que Bielsa ficou de detalhar cada um dos 45 pontos. "Eles fizeram um levantamento das questões, que não significam necessariamente problemas. Não vi o papel. Ele (Bielsa) foi só citando pontos e pedi que entregasse uma versão no papel para nosso uso, e entregaremos a nossa", disse, ressaltando que é preciso dar atenção especial à relação com a Argentina. Segundo ele, não há que se falar em trégua, porque "não há guerra".

COMPETITIVIDADE

Classificando como "mais sistêmica" a proposta encaminhada antes pelo ministro da Economia argentino, Roberto Lavagna - que prevê adoção de salvaguardas automáticas toda vez que as exportações brasileiras prejudicarem determinados setores produtivos argentinos -, Amorim disse que essas questões específicas que afetam o setor empresarial serão tratadas paralelamente às discussões para integração das cadeias produtivas dos dois países.

"Ninguém vai desconhecer que existem as propostas do ministro Lavagna, mas vamos discutir e ver se encontramos uma solução sem entrar na questão de saber se é salvaguarda ou não", disse Amorim. "A visita foi muito proveitosa, não só pelo momento como pelo conteúdo, e será um marco na preparação para virada das relações Brasil-Argentina."

Para as duas economias terem lugar em um mercado mundial caracterizado por grandes blocos comerciais, é preciso competitividade e, para isso, é preciso o Mercosul, disse Amorim. "Não existe Mercosul sem uma relação sólida do Brasil com a Argentina", defendeu, argumentando que "em uma relação como a dos dois países, não cabem rivalidades".